Nascido em Harrisburg, na Pensilvânia, em
1947, Birdlegg começou a carreira tardiamente: aos 26 anos. Sem nunca ter tido
aulas de música, entrou em uma loja e comprou sua primeira harmônica. Como
músico autodidata, mudou-se para Oakland, na Califórnia, em 1975, onde passou a
tocar nos clubes de blues ao lado de nomes como Sonny Rhodes, Massala
Talbert, Haskell "Cool
Papa" Sadler e Mississippi
Johnny Waters. Em 1980, formou o grupo The Tight Fit Blues Band.
Foto: Pablito Diego
Ao longo dos anos, depois de se apresentar
com várias estrelas do blues, Birdlegg lançou um disco com sua banda em
2007, "Meet Me on the Corner". Em 2010, mudou-se para
Austin, TX, onde fixou residência e continua a trocar figurinhas com diversos
nomes da cena local do blues. Afora shows e gravações, passou a ensinar e se
apresentar em escolas, além de promover seminários musicais. Dentre suas conquistas, integrou o lendário time do Mississippi Delta Blues Band (por onde acabou
retornando outras três vezes), participando de diversos tours na Europa. Seu
mais recente álbum é "Extra Mayo" (2016), trabalho
produzido na Suécia.
Foto: Pablito Deigo
Birdlegg e sua banda chegaram na Gare em
torno das 16h30. Ao entrar no bar, mesmo antes de pisar no
palco para a passagem de som, o músico caminha por toda e extensão do pub, intenção de observar a casa e reconhecer o espaço em que ele irá circular com seu microfone sem fio. Nos vídeos, o vemos cantando entre o público, diretamente interagindo com
a audiência - essa que é uma de suas marcas registradas. Logo iríamos entender
que o músico realmente não se detém apenas ao quadrado convencional de uma
atuação. O bluesman provémde uma geração que gosta do contato
mais próximo, não se priva de interação. Inclusive, esse é um dos pontos cardeais que o norteiam. Desse modo, a iluminação do salão principal do Plataforma foi
redesenhada, tanto para melhor apreciação do público quanto para facilitar sua
movimentação. E claro, para que os registros ganhassem maior qualidade. Assim, um garçom foi designado para acompanhá-lo com uma luz seguidora.
Foto: Pablito Diego
O sound-check é realizado
em 10 minutos (o mais rápido da história do Memorabilia Blues). Para beber,
Gene pede sua bebida favorita — Fanta Laranja. Ao sair do pub, acende um
inseparável cigarro Marlboro, observa os verdejantes montes santa-marienses, bate um
papo animado com o fotógrafo Pablito Diego (se tornaram melhores amigos) e não
economiza em registrar imagens com o celular. Ele circula curioso entre os destroços da
saudosa linha férrea, ainda assombrada pelo fantasma do abandono, apesar
da louvável revitalização do Mercado da Vila Belga, espaço em frente à Estação
onde o Plataforma está instalado. Minutos depois, Adrian Flores (produtor e baterista da turnê) o chama e o grupo parte numa Fiat Doblò rumo ao hotel.
Foto: Pablito Diego
Às 22h30, a promissora Cheeba
Cheeba, banda local de abertura esquenta o público com seu repertório
azeitado pelo neo-soul, funk, rock, traços de psicodelia, além de passeios informais pelo
território do blues. Destaque para a versão de "Nem Vem Que Não
Tem" (Wilson Simonal), além de "Licença Poética",
estreia autoral do quinteto santa-mariense.
Em torno das 23h30, a banda de apoio que
dá suporte ao minitour de Birdlegg começa os trabalhos. No palco, além do já mencionado Adrian Flores (bateria e vocal), temos a presença sempre bem-vinda de Solon Fishbone (guitarra) e Fernando Peters (baixo). O
trio relê "Everyday I Have The Blues" (Pinetop
Sparks) e "Living In My Neighborhood'' (Magic Slim), com
a marca do vocal 'howlinwolfiano' de Adrian. Muitos estão lá também para ver
Solon, um dos mais respeitados guitarristas do blues feito aqui.
Foto: Pablito Diego
Quando Birlegg pisa no palco, vestido a
caráter - chapéu, camisa e sapatos brancos, gravata cerúlea, colete e terno risca de giz, parte
da audiência talvez imagine que esse senhor de 72 anos exerça uma presença cênica mais recatada. Ledo engano, a partir de então, o que assistimos é um
retrato da hiperatividade artística. Gene busca uma constante interação com o
público — conta histórias, flerta com as mulheres e indubitamente — o tempo todo — passeia entre as mesas. Ele é o espetáculo! Um acrobata, um
ginasta em constante espacato - um
tornado do blues texano. Se você está sentado numa mesa em frente ao palco, não
significa que sua posição é a melhor da noite. Em instantes o cantor está no fundo do bar galanteando outra garota. Ele tira o chapéu e amistosamente a corteja. Um rio de suor despenca sobre a moça — "Sorry",
diz o músico. Tudo certo, Gene ainda está sentado em seu colo.
Foto: Pablito Diego
Outro aspecto dessa atuação passa pela sua direção musical, principalmente quando comanda as dinâmicas da banda, regendo
os ups and downs do blues. As vezes parece digladiar-se
consigo mesmo, erra o tom de uma de suas gaitas, atira uma delas no palco,
cobra andamentos diferentes nas levadas de Adrian Flores. Muitas vezes Gene parece brigar com demônios interiores. Sob a ótica dos
músicos, tocar com Birdlegg é como caminhar na corda-bamba - em certos
momentos você pode cair. Sem problemas, há redes de segurança. E há um bocado
de diversão quando você pega o jeito. Uma delas é a própria informalidade e
senso de improviso do gênero. Assim é o blues, cada noite diferente da
outra.
Foto: Pablito Diego
As escolhas de repertório relembram temas
célebres como "Don't Start Me Talking" (Sonny Boy
Williamson), "The Things That I Used to Do" (Guitar
Slim), "You Don't Have to Go" (Jimmy Reed) e "Statesboro
Blues" (Blind Willie McTell), além de composições de sua autoria — "San Pablo Avenue", "Draw In Your
Lip", "Maria" e a vibrante "Meet
Me at the Corner". Destaque absoluto para "I'm A Man"
(Bo Diddley), instante em que o Plataforma Pub se transforma num autêntico
Clube de Blues, uma massa uníssona vibrando na mesma frequência. Gene é um
grande gaitista, ele bebe nas melhoras escolas da harmônica estadunidense, falo
da linhagem dos Sonny, por exemplo - Boy Wiliamson e Terry.
Não há firulas na forma como toca, não ouço excessos, percebo que o som da
gaita diatônica cristaliza um desenho definitivo de como um instrumento deve
soar.
Veja a performance de "I'm A Man". Captação Pablito Diego.
Nos minutos finais da apresentação,
Birdlegg faz questão de cumprimentar individualmente várias pessoas,
demonstrando aquela simplicidade nata dos grandes artistas, fidalguia
intrínseca na natureza dos autênticos homens do blues — "Eu não
preciso colocar óculos escuros para parecer um bluesman". Perguntado
pela produção local se gostaria de jantar antes do início do show, Gene
responde — "Gosto de tocar com fome". E essa fome de blues
foi o principal cardápio de mais uma noite histórica do Memorabilia Blues.
Foto: Pablito Diego
Próxima parada — Kingsize Blues, no dia 12
de dezembro, com exposição fotográfica dos cliques memoráveis registrados por
Pablito Diego nos 10 eventos deste ano. Um retrospecto do evento em
imagens, além de outras surpresas... Nos vemos por lá.
O Memorabilia Blues é
apresentado por Ortsac, Brita Pinhal e KL Seguros. Patrocínio: Radiadores
Schiavini, Minami, Neo Autoposto e Ortcons. Cerveja Oficial: Santa Madre.
Apoio: Cabeça Arte, Gasoline Barber e Diário de Santa Maria. Técnica de som:
Anderson Bittencourt. Desenho de luz e operação: Vanessa Giovanella.
Coordenação administrativa: Alfredo Giardin e Taís Streit. Comunicação e
cobertura fotográfica: Há Cena Cultural. Realização: Plataforma 85 e Grings -
Tours, Produções e Eventos, em parceria com a Blues Special Produções.
Excelente trabajo Pablito Diego ;-)
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