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sexta-feira, 17 de novembro de 2023

RED HOT CHILI PEPPERS — PORTO ALEGRE, 16 DE NOVEMBRO DE 2023

| Fotos: Ton Müller |
| Por Márcio Grings Fotos: Ton Müller |

Antes de qualquer coisa, falando na primeira pessoa do singular, preciso dizer ao leitor: eu não sou fã do Red Hot Chili Peppers. A música do grupo norte-americano nunca orbitou na constelação musical ao qual faço parte como ouvinte. Claro, estou falando do meu toca-discos, da minha prateleira, daquilo que eu escolho ouvir nos meus domínios. Será? Todavia, é óbvio que como radialista — e ligado na programação das rádios — muitas vezes tive alguma canção do RHCP visitando meus dias, seja no trabalho ou como mero ouvinte. A exemplo disso, a década de 1990 foi um espaço de tempo em que Anthony Kiedis (voz), John Frusciante (guitarra e voz), Flea (baixo) e Chad Smith (bateria) tomaram de assalto o mundo e, canções como “Under the Bridge” e “Give It Away” de “Blood Sugar Sex Magik” (1991) foram incrustadas no nosso inconsciente. Entretanto, a banda não fixou sua âncora num marco temporal, ela seguiu adiante, sincrônica e relevante na música pop do nosso tempo. E, mesmo sem ser um devoto da música dos californianos, há um detalhe que me aproxima deles: minha esposa é fã do Red Hot Chili Peppers, com isso, durante as idas e vindas cotidianas, frequentemente seus discos rodam no CD player do carro. Tudo certo, sem levar em conta minhas preferências, trata-se de boa música.

Foto: Ton Müller

50 mil foram até a Arena do Grêmio para ver o último show da turnê brasileira, a segunda vez do grupo em Porto Alegre. Como o próprio nome da turnê nos sugere — a Global Stadium Tour — encontra nas multidões o seu púlpito e glória. Por outro lado, em vários momentos temos a sensação de que os músicos estão se apresentando num espaço reduzido, pois o palco (que é enorme, seguindo o protocolo dos shows em arenas) muitas vezes não é ocupado da forma que vemos em outros shows. E, na contramão do pop, o que poderia soar como anticlímax para os fãs radiofônicos ou quem sabe entediá-los pelos excessos e arroubos instrumentais, esse desenho roga uma das boas sacadas da montagem atual. Na redução dos espaços é proposto um show mais intimista — e, com isso, conseguimos enquadrá-los no telão e no nosso campo de visão centralizados em frente à bateria. Reconhecidos como virtuoses de seus instrumentos, é inegável perceber a interação olho no olho e o ambiente fértil para improvisos. Em dado momento, só o protocolar Anthony Kiedis parece ausente dessa festa, encontrando nas laterais do palco um respiro para as passagens instrumentais. Aos 61 anos, o vocalista está em ótima forma e vê-lo ao vivo amplia os adjetivos e confirma suas limitações em interagir com a plateia. Lembro que talvez seja pelo uso de uma bota ortopédica na perna esquerda. Talvez... 

Foto: Ton Müller
A cozinha do RHCP, que sempre esteve na gerência de Chad (62) e Flea (61) impressiona pelo entrosamento e zoação no palco, com luzes de sobra no baixista, um dos mestres no seu instrumento. Ao decorrer da noite, temas como “Can’t Stop” e “By the Way” são um convite para o ulular da massa, assim como “Scar Tissue” (vejo lágrimas em olhos próximos), “Snow (Hey Oh), “Soul to Squeeze”, “Strip My Mind” e “Californication” ganham o coro de milhares. Ouvir releituras infiltradas como “The Guns of Brixton”, do Clash, antes de “Eddie” ou “Havanna Afair", dos Ramones, até pode surpreender os desavisados, assim como ”What is Soul”, do Funkadelic, se transforma sem atalhos numa música do Red Hot. O setlist não é previsível, Lados B e surpresas podem aparecer. É o caso “Terrapine”, de Syd Barrett (Pink Floyd), na voz de John Frusciante, o que me arranca um breve sorriso. Hoje aos 53 anos, o guitarrista que voltou a ocupar seu posto em 2019, é um dos destaques do show, consequência de sua extensa paleta de cores como instrumentista, além da capacidade de produzir ótimas camadas vocais de apoio.

Foto: Ton Müller

Os fãs mais devotados festejaram a inclusão de "Me and My Friends" no show de Porto Alegre, apresentação que foi a mais longa e com mais músicas (21) da perna brasileira da Global Stadium Tour. Antes do bis, um dos públicos mais rumorosos deste ano na capital gaúcha em shows do gênero implora pela volta dos músicos ao palco. Eles retornam e se despedem com uma tríade de canções de “Blood Sugar Sex Magik” — o funk rock “Sir Psyco Sexy”, a divertida releitura de “They’re Red Hot”, de Robert Johnson, e o inevitável epílogo com “Give It Way” — afinal, toda a boa banda precisa de uma  "Satisfaction" como às na manga, e o RHCP a utiliza como cartada final —, o que obviamente nos joga na lembrança do videoclipe na MTV e da ascensão do grupo ao estrelato, lugar de onde merecidamente nunca mais saíram. 

De Porto Alegre, o Red Hot Chili Peppers parte para Santiago, no Chile, onde se apresenta na belíssima Movistar Arena.

Agradecimentos a Ton Müller (fotos) e Ana Bittencourt (minha consultora sobre o setlist do RHCP em Porto Alegre). 

Foto: Ton Müller

RHCP | Arena do Grêmio, 16 de novembro de 2023

Jam

Can’t Sop

Scar Tissue

Here Ever After

Snow ((Hey Oh))

Terrapin

Havana Affair

The Guns of Brixton\ EddieParallel Universe

Soul to Squeeze

Me & My Friends

Strip My Mind

Get Up and Jump\ Tippa My Tongue

Tell Me Baby

Californication

What Is Soul?

Black Summer

By the Way


Bis

Sir Psycho Sexy

They're Red Hot

Give It Away

Ao postar o setlist da apresentação, despedindo-se da série brasileira da turnê, dessa vez o grupo homenageou Rita Lee e Ieda Maria Vargas, a eterna Miss Universo gaúcha.

 



Foto: Ton Müller


Foto: Ton Mülle

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

GLENN HUGHES — PORTO ALEGRE, 7 DE NOVEMBRO DE 2023

| Foto: Rafael Cony |
| Por Lúcio Brancato Fotos: Rafael Cony |

A passagem do tempo na história do rock tem sido um tanto questionável neste ano de 2023. Estamos diante de um turbilhão de emoções inimagináveis diante dos nossos olhos. Quando heróis octogenários como os Rolling Stones ressurgem entregando com tamanha energia e excelência um novo álbum, todo o resto do que conhecemos como Classic Rock parece rejuvenescer — Leia o review de "Hackney Diamonds" —. Nesse contexto, quando vemos um músico de 72 anos subindo no palco, o momento atual pode transformá-lo em um artista rejuvenescido. E foi com essa potência juvenil que o britânico Glenn Hughes presenteou o público de aproximadamente 1.200 fãs que compareceram no Bar Opinião, em Porto Alegre.

Leia o review da última passagem de Glenn Hughes por Porto Alegre (28/4/2018)

| Foto: Rafael Cony |
Independente do nível alto da régua etária imposto pelos Stones, podemos afirmar que Hughes parece congelado em um iceberg musical desde os anos 1970. Preserva o peso, o groove e a impressionante voz ao longo das décadas, como poucos contemporâneos da linha mais pesada do rock conseguiram manter. Traz ainda consigo uma evidente e espontânea alegria de compartilhar, com a plateia e com os músicos da banda, o mais puro e verdadeiro espetáculo de rock. 

A tempestade sonora vinda do palco de Glenn e seus fiéis marinheiros — Søren Andersen (guitarra), Ash Sheehan (bateria) e Bob Fridzema (teclados), é um convite para navegar para longe, rumo a novembro de 1973, quando foi gravado o álbum “Burn” celebrado nesta turnê que percorre o Brasil. Porém, para queimar tamanha energia do jovem Hughes não basta somente um disco, a trilogia sagrada de sua passagem pelo Deep Purple, traz ainda no repertório do show canções de “Stormbringer” (1974) e “Come Taste The Band” (1975), o que fez dessa noite uma festa de devoção. Observando as reações e os sorrisos estampados nos rostos do público, temos a garantia de ter presenciado um legado musical muito bem preservado e incontestável, diante de um dos protagonistas onde o tempo não parece existir.

| Foto: Rafael Cony |
Carismático, e nitidamente sentindo-se em casa, provou todo o carinho que tem com o público de Porto Alegre, onde tocou pela quarta vez. Pedindo desculpas, explicou que o show quase foi cancelado devido a uma forte virose que o derrubou nos últimos dias, mas firmou ter feito questão de tentar se apresentar mesmo sabendo não estar em totais condições (o evento seguinte em Curitiba, nesta quarta, 8, foi cancelado). No Opinião, Glenn entregou tudo. Em diversos momentos a audiência fez do bar um grande clube de karaokê deixando para os fãs a missão de levar as vozes. A resposta foi magnifica. No bis, com a voz por um fio, tirou do setlist “Higway Star” e finalizou tocando o clássico “Burn”, praticamente sem poder cantar, mas regendo com maestria a plateia enquanto a banda acompanhava o coro de vozes.

| Foto: Rafael Cony |
Some a tudo isso outro fator fundamental que sela nossa viagem no tempo numa noite de terça-feira —o local do show parece moldar com exatidão sensações vividas em casas de shows clássicas dos anos 1970. O Bar Opinião, que festeja seus 40 anos de existência, mantém tanto para os músicos como para os espectadores, uma proximidade e energia que pode facilmente remeter a clubes históricos como um Whisky A Go Go (Los Angeles) ou Marquee Club (Londres), isso faz toda a diferença. Aqui não fechamos os olhos para imaginarmos um deslocamento sensorial ao escutar e assistir grandes nomes da música. De olhos bem abertos estamos inseridos numa jornada mítica e musical presente, seja o passado que você quiser estar. Nesta noite, por exemplo, a máquina de nossas cabeças trabalhou com facilidade nosso deslocamento até outra década. Equilibrou em som e imagem um passeio fiel e autêntico pelos oceanos do comandante Glenn Hughes. Com seu baixo conduziu como um leme firme na tempestade, com sua voz vislumbrou terra a vista no horizonte do rock n’ roll. Em que ano estamos mesmo?! 

Agradecimento especial a Homero Pivotto Jr (Blaze Productions) pelo suporte e credenciamento. 

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Setlist Glenn Hughes performs Classic Deep Purple Live em Porto Alegre:

STORMBRINGER

MIGHT JUST TAKE YOUR LIFE

SAIL AWAY

Medley: YOU FOOL NO ONE/ HIGH BALL SHOOTER  

MISTREATED

GETTIN' TIGHTER

YOU KEEP ON MOVING

Bis

BURN

| Foto: Rafael Cony |

| Foto: Rafael Cony |

| Foto: Rafael Cony |

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

ROGER WATERS — PORTO ALEGRE, 1° DE NOVEMBRO DE 2023

Crédito: Lucas Alvarenga/ Alva Filmes. Foto: Paulo Corrêa/ No Palco

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Por Márcio Grings e Lúcio Brancato |

Há muito tempo Roger Waters entrega músicas onde sua intenção é nos fazer pensar sobre a ordem das coisas. Como sabemos, a veia política está no cerne do Pink Floyd, seja de forma indireta, como em discos como "The Dark Side of The Moon" (1973) e "Wish You Where Here" (1975), ou, até mesmo explicitamente, o que está na íntegra de "Animals”  (1977), por exemplo. "The Wall" (1979) seguiu alternando temáticas sociais com dramas existenciais, além de regurgitar traumas da geração baby boomer. Já "The Final Cut" (1983) crava sua âncora temporal na Guerra Fria e num conflito bélico específico — a Guerra das Malvinas/Falklands. Em carreira solo, exceto no seu primeiro trabalho, "The Pros and Cons of Hitch Hiking" (1984), mais brando nas questões políticas — "Radio K.A.O.S" (1987), "Amused to Death" (1992) e "Is This the Life We Really Want?" (2017) são inquestionavelmente alavancados por causas político-sociais. Em suma, o que presenciamos no concerto “This is Not a Drill” é a montagem de uma quebra-cabeças de peças musicais muito bem escolhidas, afinal resumir a despedida dos palcos numa trajetória de tantas décadas entre discos do Pink Floyd e a carreira solo não é uma missão fácil. E aqui mais um mérito do artista, pois ele conseguiu trazer um excelente apanhado contemplando um pouco de tudo.

Ao longo dos anos, os shows de Roger Waters proporcionam para o público uma experiência sensorial completa. O jovem Lúcio, no auge do derretimento coletivo, aos 24 anos, era impactado por um espetáculo de som e luzes como nunca havia experimentado, isso na primeira passagem do baixista pela capital gaúcha, em 2002. Na mesma cidade, exatamente uma década depois, o já quarentão Márcio, aos 42 anos, assistiu boquiaberto a queda do muro como se fosse uma barreira real. E ainda hoje nos maravilhamos pela forma como o artista usa sistemas de áudio imersivos, o surround e outras tecnologias que amplificam todas as sensações possíveis na mente do espectador. Helicópteros, aviões, explosões, gritos de socorro e sintetizadores percorrem o estádio e o nosso corpo nos atingindo de todas as direções. O que vemos no palco integra a plateia fundindo luz, imagem e som, disparando mensagens certeiras onde tudo se complementa. 

Crédito: Lucas AlvarengaAlva Filmes. Foto: Paulo Corrêa/ No Palco

O que está sendo dito nas letras ganha reforços tecnológicos que atingem até quem ainda aparentemente esteja neutralizado frente a espetáculos desse porte. Se no mundo cruel de hoje e de ontem, a justiça muitas vezes não se apresenta, nos shows de Roger Waters ela nunca falha. E quando adentramos esse território artístico, canções tocam nossos corações, mas também reviram — ou reavivam — nossa consciência política. O desenho do roteiro do show cai como um martelo de alerta na cabeça de todos: estamos entorpecidos procurando diamantes brilhosos através de brechas de um muro que nós mesmos construímos. Essa é a vida que você realmente quer?!  

Não por acaso, o aviso que ouvimos em inglês (legendado no telão) logo no início dos shows no Brasil, serve de último alerta aos desavisados, isso na probabilidade de alguém ter caído de paraquedas na Arena do Grêmio. A passagem do tempo se mostrou mais prejudicial à sociedade — e à raça humana como um todo — do que na obra do próprio artista. Emburrecemos a ponto de ter que desenhar por escrito nos telões durante a abertura do espetáculo o posicionamento político existente na carreira do músico inglês há pelo menos 50 anos. 

Assim, depois de Brasília e Rio de Janeiro, Porto Alegre recebe pela quarta vez um show de Roger Waters. A turnê This in Not a Drill quebra com qualquer metáfora, pois além da própria música, tudo está legendado e explicado (como notas de rodapé). Assim, como detentor de uma obra poderosíssima, o ex-líder do Pink Floyd não apenas quer deixar claro que é o mentor intelectual da maior parte das músicas, pois ele nos reforça de seu protagonismo o tempo todo.  

Crédito: Lucas AlvarengaAlva Filmes. Foto: Paulo Corrêa/ No Palco

A apresentação começa com a música que ele se despediu de Porto Alegre há exatos 5 anos, "Confortably Numb". Naquele 30 de outubro de 2018 a chuva forte caiu bem no fim do espetáculo, o que mobilizou a equipe técnica a armar pequenos toldos no palco para proteger os músicos e o equipamento. Desse modo, a apresentação precisou ser encurtada. "Confortably Numb" é um dos temas mais conectados à memória de David Gilmour no Pink Floyd. O solo do guitarrista, por exemplo, é considerado um dos mais épicos da história do rock. Na versão que abre o tour This is Not a Drill, Waters surge de jaleco, empurrando uma cadeira de rodas, ampliando os aspectos claustrofóbicos da letra. O solo da música é sumariamente cortado, aproximando a releitura desse clássico do álbum "The Wall" à experiência de ouvi-la 'restaurada' e próxima ao gospel, ainda mais reflexiva.               

Contudo, qualquer perda de identidade ou tentativa de autossabotagem se evanesce com a suíte "The Happiest Days of Our Lives", "Another Brick in the Wall, Part 2" e "Another Brick in the Wall, Part 3", tocada de maneira fiel ao modelo do disco. Roger está solto no palco, sem o contrabaixo, atuando praticamente como um crooner.  

A banda é irretocável em suas execuções. No grupo base, novamente temos o velho colaborador do Pink Floyd, Jon Carin — piano, teclados, programações, violão, marxófono e vocais; David Kilminster (Keith Emersom e John Wetton) — toca guitarra e baixo; Guy Seyffert (Black Keys, Norah Jones) — colabora na guitarra, baixo e vocais; outra presença importante, Jonathan Wilson (Robbie Robertson, Crosby, Stills & Nash) — assume guitarra, baixo, acordeon e faz vocais principais em dois temas. Completam o time, Robert Walter — Hammond B3 e teclados;  Seamus Blake — saxofone e clarinete; Joey Waronker (Beck, R.EM) — bateria; Amanda Belair e Shanay Johnson estão no vocais de apoio e percussão). 

Logo depois do recorte "The Wall", uma tríade feita de canções da sua carreira solo adentra com contundência o território político. Em inglês, "os poderes constituídos" (TPTB) é uma abreviação utilizada para se referir aos indivíduos ou grupos que coletivamente detêm um domínio específico. "The Power That Be", de "Radio K.A.O.S", é uma manifesto irônico contra os fomentadores da guerra: “They like fear and loathing/ They like sheep's clothing — Eles gostam do medo e da aversão/ Eles gostam de pele de cordeiro —. Ele ainda bate nas extravagâncias da burguesia belicista: "They like a bomb proof cadillac/ Air conditioned, gold taps/ Back seat gun rack, platinum hub caps" — Eles gostam de cadillac a prova de bombas/ Ar-condicionado, torneiras de ouro/ Suporte de armas no banco de trás, calotas de platina — a música segue tão atual quanto naquela segunda metade dos anos 1980, como ainda ganha novo gás nessa versão ao vivo. No telão, Waters paga homenagem personalidades mundiais mortas com diversos tipos de violência, entre elas, a vereadora carioca Marielle Franco.

Crédito: Lucas AlvarengaAlva Filmes. Foto: Paulo Corrêa/ No Palco

Na mesma via, "The Bravery of Being Out of Range", de "Amused to Death", inspirou-se na luta à distância na Guerra do Golfo (1990-1991) como um jogo de videogame, e assim Roger utiliza a ironia e o deboche para calcificar a estupidez de uma guerra: "Hey bartender over here, two more shots/ And two more beers/ Sir, turn up the tv sound/ The war has started on the ground/ Just love those laser guided bombs/ They're really great for righting wrongs/ You hit the target and win the game/From bars 3,000 miles away" — Ei garçom, mais duas doses/ E duas cervejas/ Senhor, aumente o volume da TV/ A guerra começou por terra/ Amo aquelas bombas guiadas a laser/ São ótimas para corrigir erros/ Você acerta o alvo e vence o jogo/ Nos bares, a 3000 milhas de distância —. E não é a mais pura realidade do que você assiste ainda hoje pelos telejornais? Se o Pink Floyd a tivesse gravado não seria um disparate. 

O cantor explicou em entrevista à TV Brasil para o jornalista Leandro Demori que "The Bar", canção ainda não gravada, pode ser entendida como um espaço onde as pessoas partilham suas opiniões e debatem amistosamente as divergências. A letra reflete à frustração de viver em um mundo que parece um zoológico humano. “É um lugar imaginário na minha cabeça, mas é também real. Existem bares em todo o lugar. Nesse conceito, é um local onde você pode tomar uma bebida e encontrar seus amigos e, quem sabe, conhecer estranhos sem medo", explicou Waters. 

"Have a Cigar" é motor de propulsão floydiano onde as guitarra de Kilminster e Wilson espelham tudo aquilo que bem conhecemos dos discos. O trabalho das vocalistas de apoio é sublime, tanto do ponto cênico, mas principalmente nos backings: onde a voz de Waters não chega, Amanda e Shanay encaixam suas vozes sombras e ocupam os espaços. Imagens da primeira formação do Pink Floyd surgem no telão. Procure alguma foto de David Gilmour ou imagem do guitarrista em vão em "Wish You Were Here", nenhum resquício será encontrado. Aqui é a hora e a vez de Syd Barrett, a mente criadora do início de tudo para o grupo, de onde veio até mesmo o seu nome, pinçado de dois músicos de blues. A seguir, Amanda e Shanay continuam brilhando, e a magia segue fluindo em "Shine on You Crazy Diamond" (parts VI-IX). A imagem de Jon Carin nas teclas premia um dos grandes escudeiros do Pink Floyd, mas que também já trabalhou com Waters e Gilmour em ambas carreiras solo. As meninas dançam e o sax de Seamus Blake é absolutamente idêntico à lembrança memorial deste clássico. 

Em "Sheep", a fantástica viagem da ovelha voadora agita o público. Na penúltima faixa da jornada de “Animals”, Waters se volta à servil classe trabalhadora: “Hopelessly passing your time in the grassland away/ Only dimly aware of a certain unease in the air” — Passando meu tempo no pasto distante. Vagamente atento a um certo desconforto no ar” —. Aqui a discussão está baseada na passividade em aceitar o destino de exploração, de fechar os olhos para as mazelas e seguir adiante, desprezível e inofensiva como um ovelha sendo guiada por um entediado pastor rumo a desolação. 

Crédito: Lucas AlvarengaAlva Filmes. Foto: Paulo Corrêa/ No Palco

Após um intervalo de 20 minutos, agora é o porco voador que flana sobre nossas cabeças, antecipando uma segunda parte da noite ainda mais emoções. As críticas destinadas a "In the Flesh" e sua ambientação teatral surtiram efeito. O desenho cênico da música foi drasticamente alterado, um dos pontos negativos da perna brasileira da turnê This is Not a Drill, pois tratava-se de um dos picos do espetáculo. As roupas anteriores de Waters — um casaco preto com braçadeiras vermelhas — lembravam o uniforme de um oficial da SS, o que lhe causou problemas, apesar de não ser uma novidade em seus shows. Na verdade essa encenação reprisa o astro do rock de "The Wall" interpretado por Bob Geldof, que após uma overdose enlouquece feito um ditador num comício fascista, com o público o apoiando. Agora, Roger surge numa cadeira de rodas e preso a uma camisa de força, empurrado por enfermeiros. O anticlímax se esvai com a sequência em "Run Like Hell", um dos momentos mais guitarrísticos do show e mais uma daquelas músicas indissociáveis à memória de David Gilmour (ele inclusive a tocou na mesma Arena 8 anos antes). Novamente a dupla de guitarristas não deixa dúvidas de sua capacidade de materializar à lembrança fidedigna do Pink Floyd. 

"Déjà Vu" é um dos eixos centrais em "Is This Life We Realy Want?", quando Roger se coloca na posição de Deus: “If I had been God, I would have rearranged the veins in the face to make them more resistant to alcohol and less prone to aging” — Se eu fosse Deus, teria redesenhado as linhas do rosto para torná-las mais resistentes ao álcool e menos propensas ao envelhecimento, canta. Frente a atrocidade humana, exibindo imagens de palestinos e de cidades devastadas pelas guerras, um questionamento do movimento cíclico da humanidade e sua capacidade de repetir os mesmos erros: "The temple's in ruins/ The bankers get fat/ The buffalo's gone/ And the mountain top's flat/ The trout in the streams are all hermaphrodites/ You lean to the left but you vote to the right" — O templo está em ruínas/ Os banqueiros continuam ricos/ O búfalo se foi/ E o topo da montanha está plano/ As trutas nos córregos são todas hermafroditas/ Você se inclina para a esquerda, mas vota na direita. Julian Assange ganha destaque no telão. Ao vivo, "Déjà Vu" se impõe como uma de suas melhores canções deste século. 

"Is This the Life We Really Want?", faixa-título do seu quinto álbum de estúdio, emula uma conversa do presidente Donald Trump com Jim Acosta, da CNN: "The goose has gotten fat/ On caviar and fancy bars/ And subprime homes and broken homes/ Is this the life, the holy grail?/ It’s not enough that we succeed/ We still need others to fail" — O ganso engordou/ A base de caviar, bares chiques e ossos hipotecados/ E lares destruídos/ É essa é a vida ? O cálice sagrado?/ Não é o suficiente nós termos conseguido?/ Ainda precisamos que os outros falhem —. Como um filme ou um documentário musical da Netflix, Para que não haja dúvidas da entrega total da mensagem que está nela, a música inteira é legendada em português. 

Na parte final, é emocionante sabermos que o Lado B de "The Dark Side of the Moon" é tocado na íntegra na atual turnê. "Money", "Us and Them", "Any Colour You Like" (com destaque para o duelo alternância dos solos de guitarra entre Kilminster e Wilson), "Brain Damage" e "Eclipse" soam como uma grande epopeia musical, em irretocável participação dessa banda com 10 integrantes que reproduz ipsis litteris um dos ‘discos entidade’ da cultura pop mundial. Pingos tímidos de chuva começam a pipocar timidamente pela abóbada da Arena. Será que novamente teremos o abreviamento do show?

Ainda há tempo... Depois de sermos sabotados pelo tempo ruim em 2018, finalmente Porto Alegre tem a sua versão de "Two Suns in the Sunset". Logo ouvimos o barulho de carros cruzando e o violão puxando o riff com a banda vindo atrás. A releitura ao vivo é mais lenta, reflexiva, semelhante ao vídeo lançado durante a pandemia. O audiovisual de animação no telão mostra uma viagem tranquila de um viajante solitário vista de cima, como se fosse filmada por um drone. Até que explosões nos lembram que o holocausto nuclear finalmente aconteceu. 'Two Suns' joga luz na despedida de Roger Waters do Pink Floyd, e num dos discos mais controversos da banda, "The Final Cut", mas certamente envelheceu com dignidade e continua a dar seu recado sobre os desvarios da humanidade. A chuva não veio e o baile segue. 

Antes de cantar a ainda inédita "The Bar (Reprise)", o músico reverencia sua esposa, o irmão morto recentemente e Bob Dylan, fonte de inspiração para a nova canção. No tema, Roger revisita trechos de canções de Bob como "Sad Eyed Lady of the Lowlands", Lay Lady Lay" e "Blowin' in the Wind", além de "The Long and Winding Road", dos Beatles, pegando o mote das letras e reescrevendo-as como um hino pacifista. A banda toda se aproxima do piano, como se realmente estivesse tocando informalmente num ambiente de bar. Até que em "Outside the Wall", ele nos relembra do final da turnê de "The Wall" (é o mesmo desfecho), quando os músicos vão sendo apresentados um a um, saindo em fila única, ao estilo de New Orleans, como se estivem desfilando numa second line tocando instrumentos acústicos. Os saltimbancos dão adeus, embarcam na espaçonave e deixam o palco como se fossem passageiros de ônibus estelar... para nunca mais retornar? 

A grande importância de testemunharmos algo que infelizmente será comum daqui pra frente — a despedida de gigantes da música — é principalmente perceber o carinho deles com o público. Assim como Roger Waters, tantos outros já poderiam estar fora de cena, possivelmente desfrutando da perigosa sensação de dever cumprido. De todo o modo, as novas gerações continuam redescobrindo sua obra e a reavivando. É surreal pensar que lá se vão 21 anos desde nosso primeiro encontro com o ex-Pink Floyd. Quem diria que depois daquele show de 2002, no Estádio Olímpico, em Porto Alegre, ainda veríamos ele novamente na mesma cidade, com dois shows no Estádio Beira-Rio (2012 e 2018) — e agora na Arena do Grêmio. Depois de duas décadas, enquanto o local do primeiro show está abandonado e em ruínas, o artista nos holofotes segue firme ainda derrubando muros — aos 80 anos! 

Instantes depois do show, uma chuva torrencial deságua em Porto Alegre. Lavamos a alma.

Agradecimento especial a Paulo Correa/@nopalcors (fotos) Bia Fraga/@bonustrack.live e pelo suporte e convite. 

Crédito: Lucas AlvarengaAlva Filmes. Foto: Paulo Corrêa/ No Palco

quinta-feira, 25 de maio de 2023

SNARKY PUPPY — PORTO ALEGRE, 24 DE MAIO DE 2023

| Fotos: Chico Lisboa |
| Por Lúcio Brancato Fotos: Chico Lisboa |

Não é nenhum exagero começar o review dizendo que presenciei ao vivo um raro fenômeno na música instrumental mundial. Difícil contar nos dedos quantas bandas do gênero tiveram – ou tem – um sucesso tão grande de público e de crítica nas últimas décadas. E mais, me deixe saber quantas conseguem engajar um público tão jovem e atento na audição. O show do Snarky Puppy no Auditório Araújo Vianna, na noite de quarta-feira, dia 25 de maio, foi uma celebração de musicalidade complexa, mas ainda assim acessível.

Foto: Chico Lisboa
Formada em 2004, este coletivo de instrumentistas segue uma tradição muito comum nos Estados Unidos, bandas formadas por estudantes vindos de grandes escolas ou academias como Berklee e Juilliard. No caso da Snarky Puppy, a turma se encontrou na University of North Texas. O que poderia ficar restrito a um circuito mais fechado de um público de músicos para músicos, ganhou o mundo arrebatando seguidores fiéis não só em festivais mais tradicionais de jazz, como também em palcos de eventos multiculturais e até pop. Desde ao lançamento do primeiro álbum, “The Only Constant” (2006), eles vêm empilhando uma série premiações no Grammy Awards, na mesma medida em que aumentam seu público.

Foto: Chico Lisboa
A turnê que passa neste momento pela América Latina faz parte do lançamento do “Empire Central" (2022), que também já emplacou como vencedor do Grammy, na categoria de melhor álbum de música instrumental contemporânea. A Big Band que chega a ter mais de 25 músicos no seu time, funciona de forma mutante variando a formação de acordo com a disponibilidade dos integrantes, já que são músicos de alta performance requisitados para acompanhar artistas dos mais variados gêneros que vão desde Erykah Badu e Marcus Miller, a Snnop Dogg e Stanley Clarke.

O combo liderado pelo excelente baixista Michael League, trouxe 10 músicos para esta apresentação. Além de Michael, Jason JT Thomas (bateria), Keita Ogawa (percussão) Bob Lanzetti (guitarra), Zach Brock (violino), Bill Laurance (teclados), Justin Stanton (teclados e trompete), Mike “Maz” Maher (trompete), Jay Jennings (trompete), Chris Bullock (sax e flauta), formam a trupe estelar.

Foto: Chico Lisboa
Com bom público no auditório, formado na sua maioria por jovens entusiastas da música instrumental, abrem o show com três músicas do recente álbum. Em seguida, o líder Michael anuncia no microfone que, por ser a primeira vez que se apresentam em Porto Alegre, resolveram modificar o roteiro da turnê e presentear a plateia com repertório variado num passeio por outros discos da banda. Chama então ao palco o convidado especial Tuti Rodrigues, percussionista brasileiro, para tocar o tema “Semente”, presente no álbum “Culcha Vulcha" (2016). Aliás, a música brasileira é uma forte influência na banda, em suas passagens pelo país estão constantemente recebendo artistas nacionais para jams e gravações. Entre outras peças de Empire, emendam ainda “Thing of Gold”, de “GroudUP" (2012).

Foto: Chico Lisboa
O show é de uma energia plena do início ao fim. Um dos méritos da banda é saber dosar muito bem o virtuosismo de cada instrumentista com passagens mais melódicas e groovadas. Por sinal, acredito que o groove mais pop e acessível, em meio a tanta quebradeira, seja a fórmula de sucesso com o público mais jovem que acompanha a banda. São temas até dançantes, que se mesclam entre momentos mais complexos e virtuosos. O caldeirão de referências é o que aproxima um público tão diverso. Agrada com facilidade ouvintes já mais acostumados com artistas como Weather Report, Mahavishnu Orchestra, King Crimson e Parliament/Funkadelic. Durante todo espetáculo é muito fácil e prazeroso identificar o crossover de jazz fusion, rock progressivo, funk e smooth jazz.

Fotos: Chico Lisboa
É uma alegria imensa presenciar uma música tão rica e universal na sua essência. Uma arte executada com plenitude por um conjunto de jovens instrumentistas dispostos a romper qualquer barreira musical.  Num show de músicas longas nem se percebe o tempo passar. Somos envolvidos por cada instante de brilho no palco onde é dado destaque individual a cada integrante, para em seguida recebermos uma avalanche sonora e melódica de lindos temas em grupo.

A turnê no Brasil que começou pela capital gaúcha, segue ainda para São Paulo (25/05), Rio de Janeiro (26/05) e Curitiba (28/05). Tanto para saudosos do fusion dos anos 1970, quanto para a nova geração dos anos 2000, um espetáculo imperdível do que há de melhor na música instrumental contemporânea. Uma aula de boa música e execução ministrada por competentes ex-acadêmicos, hoje professores da nova música.  

Agradecimentos a Daniela Sangalli (Opinião Produtora) pela assessoria, suporte e credenciamento. 

Fotos: Chico Lisboa

segunda-feira, 8 de maio de 2023

FITO PAEZ — PORTO ALEGRE, 6 DE MAIO DE 2023

| Foto: André Feltes |
| Por Lúcio Brancato Fotos: André Feltes |

Não é de hoje que sabemos que Porto Alegre é “longe demais das capitais...(Gessinger, Humberto), talvez para nossa vantagem a capital portenha acaba sendo mais próxima musicalmente do que qualquer outra no centro do nosso próprio país. Isso trouxe para o público e para o mercado uma perspectiva de diversidade e troca cultural muito forte e particular. Não falo aqui apenas da música, as trocas neste eixo ao sul do mundo refletem na literatura, cinema, teatro e artes plásticas. Quando falamos da arte pela qual nos detemos aqui, um dos melhores representantes deste intercâmbio de sucesso esteve fazendo show na noite do último sábado, 06 de maio, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. 

| Foto: André Feltes |
Com mais de 40 anos de estrada, o tempo já é testemunha da grandiosidade do artista que rompeu há muito todas as fronteiras na américa-latina. Entre essas cruzadas que sua música fez, certamente o Rio Grande do Sul é um dos territórios mais férteis que sua arte encontrou. Fito Páez virou um fenômeno por parte do público jovem ainda no começo dos anos 1990. As rádios de todo o Estado rodavam seus hits, os shows sempre lotados e com público cantando todas do início ao fim. Nesta noite não foi diferente, uma cumplicidade entre palco e plateia como poucos conseguem ter.

| Foto: André Feltes |
Na celebração dos 30 anos do álbum “El Amor después del Amor” (1992), até hoje o mais vendido na história do pop rock argentino, Fito Páez trouxe para o auditório — com ingressos esgotados — todas as 14 músicas na mesma ordem do disco, além de um passeio por outras grandes canções do seu repertório e uma surpresa para o público brasileiro. Mais que um flashback, o que presenciei no show foi um artista que, assim como sua obra, amadureceu muito bem. Se no ano do seu lançamento a sonoridade já estava conectada com seu tempo, hoje recebe novos olhares nos arranjos com mais ênfase numa música rica em detalhes, poesia e texturas. O álbum que pode ser considerado a redenção artística de Fito Páez, segue atual e instigante. Ao vivo, é ainda mais poderoso.

| Foto: André Feltes |
A catarse do público já começa pouco antes da banda entrar no palco. No melhor clima de torcida, num coro de “olê olê Fito Fito..., o Auditório Araújo Vianna recebeu em casa toda a pandilla argentina com o terreno pronto. Com uma linda iluminação num cenário minimalista de cores nos telões, Fito Páez e os nove músicos da banda dão o play no álbum trazendo uma das camadas eletrônicas que abrem “El amor después del amor”. Sem virar o disco, seguem embalando o roteiro apresentado a todos nós no já distante ano de 1992. Entre as faixas, Fito Páez escancarava uma evidente alegria estampada no rosto. Em alguns momentos parecia comentar com os músicos algo que deve ter contado pra eles antes de tocarem no Brasil, afirmando que o público daqui também cantava junto — “Viu, eu disse pra vocês!”. Dentro de um álbum com tantas estrelas que participaram na gravação original, antes de tocar “Pétalo de Sal” lembrou o nome de uma delas “brincando” que, mesmo hoje com a tecnologia de Inteligência Artificial, jamais se recriaria um Luis Alberto Spinetta.  Sem muitos respiros, escutamos o disco tocado ao vivo — com destaque ao naipe de metais e a vocalista Emme (Mariela Vitale, filha de outro ícone argentino Lito Vitale). Um intervalo de 10 minutos e o retorno com um setlist de hits escolhidos a dedo para a apoteose final: “Naturaleza Sangre”, “11 y 6”, “Circo Beat”, Ciudad de pobres corazones”.

| Foto: André Feltes |

Para o bis, um momento único fugindo ao roteiro do show. Sozinho ao piano entrega de presente para todos nós, uma versão linda de “Meu bem, meu mal”, de Caetano Veloso, e com a banda arremata “Dar es dar”, “Mariposa tecknicolor” e “Y dale alegria a mi corazón”, terminado assim uma noite de histórico reencontro de Fito com ele mesmo – e com o público de Porto Alegre que tão bem o abraçou. Olê olê olê olê...

Agradecimentos a Daniela Sangalli pela assessoria, suporte e credenciamento. 


Setlist:

El amor después del amor
Dos días em la vida
La Verónica
Tráfico por Katmandú
Pétalo de sal
Sasha, Sisi Y el círculo de Baba
Um vestido y um amor
Tumbas de la gloria
Lá rueda mágica
Creo
Detrás del muro de los lamentos
La balada de Donna Helena
Brillante sobre el mic
A rodar mi vida

Naturaleza sangre
11 y 6
Circo Beat
Ciudad de pobres corazones

Meu bem, meu mal
Dar es dar
Mariposa Tecknicolor
Y dale alegría a mi corazón
| Foto: André Feltes |

quarta-feira, 26 de abril de 2023

BRUCE DICKINSON, BAND AND ORCHESTRA CELEBRATING THE MUSIC OF JON LORD AND DEEP PURPLE — PORTO ALEGRE, 25 DE ABRIL DE 2023

| Foto: Douglas Fischer |
| Por Márcio Grings  Fotos: Douglas Fischer |

Acredito em artistas que se desafiam e saem do trilho. Shake, baby shake! No caso da 'ferrovia' por onde Bruce Dickinson (64) se movimenta há 40 anos (com alguns desvios de rota) — a bordo da besta apocalíptica que atende pelo nome de Iron Maiden — Bruce poderia seguir pelo resto de seus dias repetindo o mesmo roteiro, só apreciando a paisagem. Porém, ele resolveu escrever uma nova história. Assim, cá está o inglês com o pé na pista nesse incomum e apaixonante projeto chamado Bruce Dickinson, Band and Orchestra celebrating the music of Jon Lord and Deep Purple. Na verdade trata-se de uma reprise, mas não podemos denominá-la como um simples revival. O cantor do Maiden pega o mote de um dos grandes instrumentistas do rock, Jon Lord, tecladista do Deep Purple que morreu em 2012, e amplia essa ideia. É o que vemos aqui em Porto Alegre, com Bruce à frente da Orquestra de Câmara da Ulbra, sob a regência de Paul Mann, acompanhado de Kaitner Z Doka (guitarra), John O’Hara (teclados), Tanya O’Callaghan (baixo) e  Bernhard Welz (bateria). 

| Foto: Douglas Fischer |
“O que é exatamente? Bem, é sobre uma peça de música clássica de 45 minutos que foi escrita por Jon Lord envolvendo um grupo; neste caso, o Deep Purple“
, explicou Dickinson. O Purple gravou dois álbuns neste formato: "Concerto for Group and Orchestra" (1969), com Royal Philharmonic Orchestra, e "Concert With The London Symphony" (1999). “É um encontro entre uma banda de rock e uma orquestra. Eu sou apenas o cantor, isso é basicamente parte do show. No segundo ato, daí nós realmente deixamos nossos cabelos um pouco mais soltos. Há diversas interações entre os músicos, e então tocamos vários temas do Purple. E ainda fazemos um arranjo orquestral de ‘Jerusalem’ e ‘Tears Of The Dragon’".

Esse é o show que chega até Porto Alegre num local apropriado para tal: o Araújo Vianna. A casa recebe um ótimo público, mesmo com os Scorpions se apresentando no mesmo horário no outro lado da cidade, no Gigantinho —  leia review de Lúcio Brancato AQUI —, um bom público comparece ao auditório, e os fãs se mostram dispostos a celebrar junto a um dos vocalistas mais importantes do rock, interpretando o repertório de uma das bandas que inventou a cartilha do hard, tudo isso potencializado pelo verniz de uma orquestra.

| Foto: Douglas Fischer |
Às 21h20, ovacionado, Bruce sobe ao palco e conversa com o público, quando didaticamente explica a mecânica do espetáculo. Caso você não saiba, esse projeto era um desejo antigo de Dickinson, barrado pela morte de Lord em 2012, e reativado um pouco antes da pandemia, em 2019. O tecladista do Deep Purple idealizou essa interação entre banda e orquestra como comprovação de um ponto de vista alinhado entre o rock e o sinfônico. Assim, ao ouvirmos inicialmente as peças escritas por Jon Lord, já em "First Moviment (Moderato – Allegro)", é visível sua devoção pela música erudita. O que pode causar uma estranheza inicial para muitos, tipo: "Mas que raios de show é esse, afinal — onde está o rock and roll?", o espetáculo começa realmente com um concerto focado na orquestra. Para desespero de algumas pessoas, o diálogo dos músicos ligados ao rock no palco, é mínima nesse preâmbulo. Parte do público parece ligado enquanto alguns não compreendem a natureza encantadora dessa interação. À exemplo disso, o guitarrista Kaitner Z Doka fica sentado em frente a seu posto de trabalho e, em pé, Tanya O’Callaghan apenas balança levemente seu cabelo rastafári e o corpo apreciando a atuação da orquestra como uma voyer. Até que a banda apresenta armas e surge pontuando nuanças dessa peça, trazendo ênfases e fraseados impactantes, com destaque na guitarra e o clarinete. 

| Foto: Douglas Fischer |
Já em "
Second Moviment (Andante)", Bruce faz sua primeira participação, numa letra escrita por Ian Gillan: "Como eu posso enxergar se não há luz/ Como posso te entender se ouço apenas sussurros". Nessa linha do tempo na história do Purple, Gillan, um dos ídolos do vocalista do Iron Maiden, acabara de entrar no grupo, como substituto de Rod Evans, e essas são as primeiras linhas compostas por ele e gravadas pela sua nova banda em 1969. Bruce Dickinson canta com paixão esse tema que une duas músicas tocadas com arranjos ambíguos executados pela orquestra e pelo grupo, individualmente ou em conjunto. Há uma parte blues onde o órgão de John O’Hara, atual integrante do Jethro Tull, nos faz relembrar o estilo inconfundível de Jon Lord. 

No "Third Moviment (Vivace – Presto)", além do solo de bateria de Bernhard Welz, novamente temos a impressão que o restante dos músicos da banda estão apenas curtindo o espetáculo, assim como nós. Afora interações específicas, na verdade eles estão ligados nas partes em que atuam, entreolhando-se para ressurgirem como um potente verniz que se agarra nas explosões do erudito. Uma das marcas dessa primeira parte é justamente a equalização da orquestra acima da banda, me parecendo que o lado rock está propositalmente abaixo do sinfônico... o que irá cair por terra no bloco a seguir. 

| Foto: Douglas Fischer |
Após um intervalo de cerca de 20 minutos, para alegria dos fãs da carreira solo de Dickinson, ele saca duas pedradas. 
"Tears of the Dragon", de "Balls to Picasso" (1994), é possivelmente o grande sucesso do cantor fora do Maiden. A massa no Araújo mostra que fez o dever de casa e canta os versos em grande parte da música. "Jerusalem", de "Chemical Wedding" (1998), traz uma letra do poeta inglês Wiliam Blake, permanente figura de devoção no imaginário do vocalista. "Tragam-me o meu arco de ouro em chamas/ Tragam-me as minhas flechas do desejo/ Eu não irei dormir até que as nuvens despareçam". Britânica até a medula, essa é uma das músicas que fazem jus ao formato do projeto, pois há um perfeito enlace entre banda e orquestra. 

| Foto: Douglas Fischer |

"Pictures of Home" é uma daquelas músicas que revela o brilho eterno da arca dos tesouros do Deep Purple, justamente na formação MK2, àquela que fundamentou as bases do hard rock após sua aparição. A introdução, com uma delicada e triste orquestração, tem destaque na guitarra de Kaitner Z Doka, sobrepujada adiante pela eclosão da banda, com destaque para o solo de baixo da atual integrante do Whitesnake, Tanya O’Callaghan. "When a Blind Man Cries", uma canção lançada apenas como lado B em 1972, fruto das sessões do "Machine Head, é uma das pérolas resgatadas por Dickinson nesse projeto. 

| Foto: Douglas Fischer |
"Hush"
, música de Billy Joe Royall, até hoje tem status de momento catártico num show do Deep Purple. Porto Alegre não decepciona, pois a plateia segue junto no refrão, assim como John O’Hara solta chispas do teclado ao melhor estilo Jon Lord. O instrumentista saracoteia em frente as teclas com a ajuda dos dedos de Dickinson participando ativamente dessa bagunça. Já "Perfect Strangers" é uma espécie de 'canção entidade' (como diria meu parceiro no podcast Quando o Som Bate no Peito, o jornalista Romero Carvalho), soando como uma autêntica peça sinfônica hardrockqueana, com Bruce Dickinson a cantando como se fosse algo seu, da mesma forma que a plateia a entoa como um hino do amor incondicional ao rock and roll.   

Algo que está bom pode ficar melhor? Eis então que o cantor interpreta uma releitura de "Burn" pareada as grandes versões que qualquer banda ou artista um dia ousou fazer desse clássico da formação MK3 do Deep Purple. Bruce Dickinson ocupa o palco, caminha de um extremo até outro, pega a batuta e vira um espadachim que luta contra um oponente imaginário (cadê você Eddie?) e interage com o público soltando o bordão de sempre: "Scream for me, Porto Alegre!". Se alguém tinha dúvida, anote aí: sua garganta ainda funciona como uma turbina.  

| Foto: Douglas Fischer |
Bruce Dickinson, Band and Orchestra celebrating the music of Jon Lord and Deep Purple tem cara de projeto com rodagem curta, ou seja: quem viu, se contente. Quem não viu, pode chorar. Bruce parou tudo, abriu uma fenda no tempo e materializou o sonho de remontar esse projeto sonhado por anos. E assim embarcamos com ele nessa deliciosa viagem. Moraria nessa noite por um bom tempo

Agradecimento especial para Daniela Sangali (Opinião Produtora) pelo credenciamento, suporte e assessoria. 

Set 1

Concerto for Group and Orchestra, First Movement: Moderato - Allegro

Concerto for Group and Orchestra, Second Movement: Andante

Concerto for Group and Orchestra, Third Movement: Vivace - Presto

Set 2

Tears of the Dragon 

Jerusalem 

Pictures of Home

When a Blind Man Cries

Hush

Perfect Strangers

Set 3

Burn

Smoke on the Water

| Foto: Douglas Fischer |


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