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Foto: Pablito Diego |
Na banda base, Luciano Leães (teclado e voz), Caetano Santos (guitarra), Edu Meirelles (baixo), Ronaldo Pereira (sax) e Ronie Martinez (bateria) - juntos, o quinteto atende pelo cognome de Luciano Leães & The Big Chiefs, reunião de talentos que não deixa de ser uma atração a parte dentro do contexto do espetáculo. Quanto ao nome escrito em letras garrafais na parte de cima do cartaz , além de residente nos bares, concertos e festivais de New Orleans, Tom Worrell é um 'nativo' da cena artística de lá, e declarado amante da música de Professor Longhair, importante pianista que morreu em 1980. O repertório começa e termina com os temas de Longhair, fonte primordial da apresentação que veremos em instantes, pois mais da metade do setlist executado tem a assinatura do Professor.
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Santo Protetor. Professor Longhair iconizado no camarim do Memorabilia Blues |
E diferentemente dos show de blues que advém de celeiros musicais como o Delta do Mississippi, Texas ou Chicago, por exemplo, o legado de New Orleans atua em outra frequência. Na geografia do palco/gravações, o piano passa a ser o instrumento que centraliza as ações, com a guitarra frequentemente ficando em segundo plano. A intenção sonora flerta com a rumba, calypso, ritmos do Caribe, jazz, diversas fontes da música negra e uma gama de ingredientes ligados ao caldeirão cultural de New Orleans. Foi dessa mistura que nasceu o funk norte-americano, por exemplo. O resultado de tudo isso é que o repertório incorpora um alto astral absurdo.
22h35min, abertura com versão funkeada de
"Hoochie Coochie Man" (Willie Dixon), espelhada na releitura de Freddie King, com apenas Luciano Leães & The Big Chiefs no palco, eis uma brilhante preliminar com suingue próprio, pifando um gingado que nunca abandonará o palco ao longo dessa noite. E quando Leães anuncia a entrada triunfal de Tom Worrell, o público o ovaciona, com o pianista retribuindo o carinho e fazendo reverência a audiência.
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Foto: Pablito Diego |
A sequência inicial rende homenagem a Longhair -
"Don't It",
"Her Mind Has Gone",
"She Walks Right In" e
"Big Chief", abecedário básico para entender o idioma original do piano blues.
"Eu nunca vi alguém tocar as canções do 'Professor' como Tom Worrell. Durante as apresentações, por exemplo, ele canta frases que não estão nos discos, pois frequentemente Longhair alterava várias letras de músicas durante os shows. Até a ordem do setlist reverencia essa atuação. Considero Tom o maior propagador desse legado e também o mais autêntico", diz Luciano Leães, denotando a posição do norte-americano dentro do cenário em que atua nos Estados Unidos.
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Foto: Pablito Diego |
Antes de tocar
"Classified", Worrell fala que temos um especialista em James Booker no palco. O desaparecimento precoce em 1983, com apenas 43 anos, não impediu que Booker continuasse inspirando músicos nos quatro cantos do planeta. É o caso de Leães, que simplesmente parece absorver como uma esponja o estilo de James Booker, fazendo de "Classified" um dos momentos mais empolgantes da noite. Brilhante divisão das teclas e alternância de solistas, com o martelar do NORD 5D de Leães soando como um diabólico Hammond B3. Destaque para a balanço fácil da banda, com o baixista Edu Meirelles tendo extremas dificuldade para se livrar do sorriso do rosto -
"Com um repertório desses é impossível esconder a felicidade", declara ao final do show.
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Foto: Pablito Diego |
"Such A Night" (Dr. John), uma canção que exala a malandragem velhaca da cidade mais musical da Louisianades, sempre esteve entre minhas pérolas preferidas da Arca Mágica de Nola, rutila autêntica na voz de Worrell. Em
"Sugar Coaded", um daqueles temas repassados por dezenas de
bluesman, rememoro o falecido Lazy Lester (vi o gaitista tocando ao vivo essa música em 2014, leia
AQUI). Caetano Santos dá lugar ao guitarrista santa-mariense Paulo Noronha (Kingsize Blues), um dos maiores batalhadores da cena local ligada ao blues.
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Foto: Pablito Diego |
"501 Boogie" é puro bate-bola entre Leães e Worrell, com o saxofonista Ronaldo Pereira abrindo sua caixa de ferramentas. Luciano Leães salta de sua cadeira e promove a lendária e já tradicional performance a quatro mãos, numa empolgante demostração do talento de ambos, colegas de profissão, irmãos de som e dupla imersa na mesma confluência musical. Certa vez, Tom Worrell disse a Patricia Byrd, filha de Longhair, que em alguns momentos, enquanto toca, ele sente a presença do músico no palco. Talvez essa sensação tenha retornado a bater na sua porta em
"Tipinina" - "Tom não só domina a técnica do meu pai, ele é um pianista incrível, além de ser um dos músicos que imensamente se esforçam para manter esse legado vivo. Quando o assisto tocando, muitas vezes me vejo tomada de lágrimas, tanto que preciso me retirar em algumas apresentações. Eu vejo meu pai na maneira como ele toca", reforça Pat Byrd ao autor desse review.
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Foto: Pablito Diego |
A catarse se materializa concretamente em
"Paint It Black", quando a versão instrumental de Worrell, simplesmente alitera, subverte e desconstrói a sólida imagem da composição original dos Rolling Stones. Há flertes com o lado psicodélico da força, as vezes batendo no bop, riscando de leve no free jazz, com o sax de Ronaldo Pereira protagonizando essa encarnação. A despedida vem com
"Red Beans & Rice", fechando perfeitamente o ciclo de reverência a Longhair, e mais um extrato do talento de Tom Worrell como um dos Santos Protetores da música de New Orleans.
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Foto: Pablito Diego |
"Temos um ditado local: 'pianistas raramente tocam juntos', no entanto, se eu pudesse realizar um desejo em meu coração, gostaria muito de ver meu pai e Tom tocando juntos. Seria um dos maiores concertos que Nola já testemunhou", invoca Pat Byrd. Fica a certeza de que os bem-vindos fantasmas musicais do piano blues orleanense deram uma passeada pelo Memorabilia Blues no Plataforma 85. Assistir Tom Worrell + Luciano Leães & The Big Chiefs ao vivo não deixa de ser uma experiência de pós-vida nesse legado -
“É uma tradição que eu estou honrado em fazer parte, embora eu não tenha realmente escolhido representá-la, foi a música de New Orleans que me escolheu”, confessa o norte-americano. Como nos disse Pat Byrd - "Thank you Tom for FESS -N- UP AND KEEPING FESS LIFE AND LEGACY ALIVE".
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Foto: Pablito Diego |
O Memorabilia Blues no Plataforma 85 é apresentado por Ortsac, Brita Pinhal e KL Seguros. Patrocínio: Radiadores Schiavini, Uglione, Neo Autoposto e Ortcons. Cerveja Oficial: Santa Madre. Apoio: Cabeça Arte, Gasoline Barber e Diário de Santa Maria. Roadie: Matheus OG. Som: Bolzan Áudio. Luz: Vanessa Giovanella. Coordenação administrativa: Alfredo Giardin e Taís Streit. Comunicação e cobertura fotográfica: Há Cena Cultural. Realização: Plataforma 85 e Grings - Tours, Produções e Eventos, em parceria com o Clube do Blues.
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