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segunda-feira, 29 de julho de 2019

ANTHONY 'BIG A' SHERROD - SANTA MARIA, 27 DE JULHO DE 2019

Foto: Pablito Diego
Review Márcio Grings Fotos Pablito Diego (Há Cena)

Por mais que haja um romantismo literário na palavra bluesman, alguns oportunistas acabam se apropriando ilegitimamente desse epíteto. E na verdade, nem sempre trata-se de uma questão de predileção ou de um simples carimbo tatuado na persona artística, o certificado de autenticidade muitas vezes não é visualizado numa simples passada de olhos. Vinícius de Moraes escreveu: “O samba nasceu lá na Bahia/ E se hoje ele é branco na poesia/ Ele é negro demais no coração.” E se o samba primeiramente surgiu na Bahia, como sabemos, o blues de uma forma iconográfica e efetiva também nasceu negro no Mississippi. Mas nem todo homem ou mulher que aflorou no território baiano é sambista, e  necessariamente não temos um bluesman em cada afro-americano concebido no Mississippi. Contudo, quando essa associação entre o mapeamento geográfico e ancestralidade comungam na mesma cartilha, muitas vezes é deflagrado o milagre - eis o instante mágico em que 'o trovão soa'... 

Foto: Pablito Diego
Depois de Wee Willie Walker (USA), Witney Shay (USA), Tom Worrell (USA) e Luciano Leães & The Big Chiefs (BRA), o Memorabilia Blues recebe sua quarta atração norte-americana, o guitarrista Anthony "Big A" Sherrod. O músico nasceu em Clarksdale, no Mississippi, uma das cidades mais míticas do blues, berço de importantes nomes da música negra como Eddie Boyd, Jackie Brenston, Willie Brown, Sam Cooke, John Lee Hooker, Son House, Ike Turner, Robert "Bilbo" Walker Jr, entre outros. É também em Clarksdale que a Highway 61 encontra a Highway 49, encruzilhada onde supostamente Robert Johnson fundamentou seu pacto com o lado oculto da força.

Foto: Pablito Diego
Anthony toca blues desde uma idade muito jovem. Filho do cantor gospel E.J. Johnson, encontrou inspiração e instrução num dos grandes educadores sobre a geografia musical do Delta do Mississippi, Johnnie Billington, com quem conviveu e se tornou um discípulo - "Mais do que ensinar a tocar blues, Billington orientava a crianças como eu sobre a importância de se manter fora de problemas. Eram aulas de sobrevivência para as dificuldades que a vida iria nos apresentar mais tarde", explicou Big A ao jornalista Andrei Andrade do Jornal Pioneiro de Caxias do Sul. O guitarrista também é apresentado com destaque no documentário musical "We Juke Up In Here” (2012) - veja trailer AQUI, um mergulho na atual cena do blues em sua Terra Natal. A música tema do filme é dele.

Foto: Pablito Diego
E antes de chegarmos na Blues Special Band, trio que acompanha o norte-americano, vamos falar do músico/produtor argentino Adrian Flores. Residindo há 15 anos no Brasil (Navegantes - SC), Adrian certamente é uma das figuras mais emblemáticas do blues sul-americano. Como pesquisador e amante do blues, são quase 40 anos de imersão, somando 27 anos na produção efetiva de shows, tendo articulado a vinda de 52 artistas internacionais, isso somente de afro-americanos ligados ao blues. É ele o responsável por trazer Big A pela segunda vez ao Brasil. O resultado dessa atividade alcança a incrível marca de quase 700 shows pelo continente! Além disso, Adrian Flores ainda atua como baterista e diretor musical nos eventos musicais que promove, recrutando músicos argentinos/brasileiros para acompanhar os gringos.

Foto: Pablito Diego
Assim, no palco ele movimenta as baquetas e dirige o time que acompanha Sherrod - Santiago Tomy Esposito (guitarra) e Nico Fami (baixo), argentinos como ele. Quando não estão tocando como banda base de fora, o trio atende por Los Gringos. Porém, ao lado de personagens do blues internacional, seja em tours pela América Latina, América Central ou Europa, chame-os de Blues Special Band, em mais uma de suas encarnações.

Foto: Pablito Diego
O show começa pontualmente ás 22h30, com "Everyday I Have The Blues", abrindo alas com a maior das referências de Sherrod - "Meu ídolo é BB King. Fui criado tocando a música dele", disse a Camila Gonçalves, repórter do Diário de Santa Maria. Vê-lo ao vivo nos permite presenciar um músico com a cara do blues. A manha, a ginga, o sotaque, o senso de humor, o tom provocativo, a constante troca e interação com o público - inúmeros trejeitos decodificados e remontados num único artista. Entre uma música e outra, como um boxeador ao soar do sino que encerra um round, ele recorre a uma toalha para secar o suor de seu rosto. E como toca sem setlist, a vibração de cada apresentação é sempre exclusiva - "Eu nunca sei o que vou tocar. Eu toco de acordo com o que eu sei e como eu me sinto, e o que percebo na vibe do público", explicou na mesma reportagem do Diário.

Foto: Pablito Diego

Showman convicto, meneia guitarra sem um cabo conectado ao amplificador (via transmissor sem fio), promovendo um dos grandes momentos de suas apresentações - longos passeios performando em meio ao público. Por quatro vezes, durante o show, o músico explora praticamente todos os espaços do bar, encantando a audiência com seus carisma, talento e simpatia. No repertório, vários momentos de pico, reconfigurando clássicos como "Hoochie Coochie Man" (Willie Dixon), "I Got Woman" (Ray Charles), "Lucille" (Little Richard), "Mustang Sally" (Mack Rice) e "Got My Mojo Working" (Preston Foster), entre outros. No momento em que parece citar o riff inicial de "Feel's Like a Rain" (Buddy Guy), emenda uma monumental versão de "Frankie and Johnny" (Sam Cooke), um dos instantâneos mágicos da noite, revelando sua capacidade se apropriar dos temas que o inspiram, imprimindo uma digital própria nessa reinvenção.

Foto: Pablito Diego
O baterista local, Ninu Ilha (Kingsize Blues), um dos cicerones de Sherrod e banda na cidade, participa de dois temas, ganhando merecido destaque no evento, ele que há mais de 25 anos é um dos grandes músicos ligados ao blues em Santa Maria - "O sentimento era de que eu poderia tocar a noite toda, estava muito confortável naquele palco", fala Ninu ao final de sua participação - "Anthony me disse que toco com alma", conclui com uma sensação de dever cumprido.               

Foto: Pablito Diego



Uma das grandes revelações em assistir a apresentação de Big A é que estamos presenciando uma renovação aonde a renovação é escassa. Aos 35 anos, Anthony Sherrod é um daqueles artistas que parecem compreender com legitimidade as bençãos e maledicências dessa trajetória. Através dele, importantes nomes que já partiram, lendas como B.B. King, Little Milton, Albert Collins, Big Jack Johnson (seu padrinho musical como guitarrista) sobrevivem a cada nova apresentação - "Quero continuar ensinando, compondo e tocando blues por diferentes cidades e países. Desejo seguir divertindo as pessoas, assim como eu também me divirto fazendo meu trabalho", conclui o músico ciente de seu ativismo e predestinação artística "Sou grato a todo esse legado que construiu o gênero e que permanentemente continua agindo sobre minha música".    

O Memorabilia Blues é apresentado por Ortsac, Brita Pinhal e KL Seguros. Patrocínio: Radiadores Schiavini, Uglione, Neo Autoposto e Ortcons. Cerveja Oficial: Santa Madre. Apoio: Cabeça Arte, Gasoline Barber e Diário de Santa Maria. Técnica de som: Diego Fiorenza. Apoio de logística: Ninu Ilha. Captação de áudio: Anderson Bittencourt. Desenho de luz e operação: Vanessa Giovanella. Coordenação administrativa: Alfredo Giardin e Taís Streit. Comunicação e cobertura fotográfica: Há Cena Cultural. Realização: Plataforma 85 e Grings - Tours, Produções e Eventos, em parceria com a Blues Special Produções.

Próxima atração, Luana Pacheco, em 16 de agosto.

Foto: Pablito Diego

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