Translate

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

GLENN HUGHES - PORTO ALEGRE, 11 DE NOVEMBRO 2025

| Foto: Laura Aldana |
| Por Márcio Grings Fotos Laura Aldana |

Ah, Glenn! Qualquer um que tivesse vivido metade do que você viveu — drogas, estrada, glória, sexo, ressaca, purgatório — já estaria por aí, se arrastando, cantando versões pálidas de si mesmo com uma asa quebrada. Mas não: você continua com aquele olhar de quem detém algo sagrado, quase sobre-humano. Muitos de sua estirpe tombaram pelo caminho ou não são mais sombra do que já foram. Glenn, aos 74 anos, não apenas permanece em pé — ele tira onda. Dificilmente há outro igual. O clichê é inevitável: o criador fez a forma e quebrou o molde. E sim, é verdade — a voz desse inglês danado de bom continua intacta, nas nuvens, como se o tempo tivesse decidido poupá-la.

 Foto: Laura Aldana 
Setenta e quatro anos! Ah, vai! O vi pela primeira vez aos 66 e hoje ele está ainda melhor. O sujeito entra no palco como se tivesse vinte e quatro e o mundo inteiro o desconhecesse. Comendo a bola, cá temos Glenn, o pirata em busca da próxima conquista. Magro, dentes de porcelana, de óculos púrpura e calça de skatista. A camiseta homenageia... Prince. Nada mais justo, outro artista raro. O sorriso nunca se desmancha. A voz? Intacta. O som que sai da garganta empurra o tempo — uma vingança pessoal contra a ordem das coisas. E como ele agradece ao seu público. Todos somos gratos por mais uma noite. Afinal, essa pode ser a última? 

 Foto: Laura Aldana 
No Opinião, em Porto Alegre, Hughes transformou o palco em parque de diversões. Nem mesmo o fato de ter a bagagem extraviada na chegada ao Brasil parece ter azedado o humor do grupo. Tocando com um backline emprestado por músicos da capital, pela quarta vez no Opinião, Glenn Hughes (baixo e voz) se apresentou ao lado de Søren Andersen (guitarra), seu fiel escudeiro há 16 anos e coprodutor do último álbum, e de Ash Sheehan (bateria). Um trio, de forma circular ele volta ao início, como tudo começou ainda no final dos anos 1960.

 Foto: Laura Aldana 

A primeira do set foi Soul Mover — um soco na boca do estômago. Muscle and Blood veio logo depois, lembrando a todos o que é groove pesado sem precisar de autotune ou nostalgia barata. Quando atacou Voice in My Head, do novo disco, o refrão já estava na garganta do público. Ele sorriu ao perceber. Glenn se diverte — canta como se estivesse rindo da própria lenda que construiu em torno de si. Entendam: Glenn é um cantor de soul, apenas usa o hard rock pra enganar a torcida. 

É inegável: muita gente ainda vai ver Glenn Hughes pra matar saudade do Deep Purple — o som que moldou uma geração. Mas o homem há muito deixou de ser apenas o ex-baixista dos tempos dourados. Glenn é um corpo em combustão contínua, um satélite que risca o céu do rock com luz própria.

 Foto: Laura Aldana 
No palco, ele faz questão de deixar isso claro — canção a canção, pausa a pausa. Explica, provoca, traduz na linguagem da música, nos convida a partilhar essa viagem. E fez muito, gravou demais, de tudo e com todos. Glenn se apoia no passado mas reescreve o presente. Quando ele fala, há um respeito quase litúrgico, uma troca que transcende o idioma. O público entende tudo. Ele diz que nos ama milhares de vezes. Deve dizer isso pra todos! Quem não se permite ser enganado num momento de paixão?

E então, Trapeze. Way Back to the Bone e Medusa: "meu primeiro amor", diz. Ele fala da casa da avó, da cozinha onde compôs suas primeiras músicas, aos 17 anos — e a gente começa a entender aonde ele quer chegar. O garoto ainda está ali, escondido sob as rugas, segurando o baixo como quem pilota uma máquina do tempo. Quebração. Mel Galley e Tom Holand são citados várias vezes. O fantasma deles sobrevoou o palco. 

Também relembra a parceria com o amigo Tony Iommi, com quem dividiu um álbum em 2005 (também gravou Seventh Star, como um dos Black Sabbath, em 1986). Glenn pode misturar tudo: Led, Purple e Sabbath — há conexões diretas e indiretas com a tríade sagrada. Duvida? O medley Grace/Dopamine deixa a audiência em transe, boquiaberta.

 Foto: Laura Aldana 
E então vem Mistreated. Um clássico do Deep Purple que o próprio Purple não toca — azar deles. O teto do Opinião ameaça cair. Nunca vi nada parecido. A música se estende, dobra, se desfaz, explode e vira silêncio... renasce à capela, como se estivéssemos de volta aos anos 1970, Made in Europe, quando o rock estava no topo.

No bis, ele volta sozinho com o violão. Coast to Coast, minimalista e atonal, mostra que as estranhezas melódicas e a forma de cantar e compor são únicas. E como canta! De volta ao power trio, Black Country vira pista livre para o poderio sonoro. O clima de jam session é a bola da vez. Entre o vai e vem, até Søren Andersen ri, incrédulo, a cada agudo que Hughes dispara, a cada virada impossível que ele inventa na hora. A despedida não poderia ser outra, Burn, ardendo como brasa com sabor de despedida, uma das marca definitivas da formação MK3.  

 Foto: Laura Aldana 

Chamam de “turnê de despedida”, mas não é droga nenhuma. Quem pode ser enganado? Isso é golpe de marketing pra cutucar preguiçosos em seus sofás e os malditos adeptos de churrascos com trilha-sonora via caixas bluetooth. Nada se compara a ver um dos grandes ao vivo. E vamos lá, deixo claro — não me venham com turnês de despedida. Hughes não está se despedindo de nada. Ele ainda quer tudo. É do tipo que só vai parar quando o corpo não responder mais.

Enquanto os velhos heróis se aposentam (alô Coverdale e Tyler), Glenn continua ali — chutando poeira e cuspindo fogo, lembrando que o rock ainda está bem das pernas na sua carcaça. Glenn Hughes é uma rocha inquebrantável. Rola pra caramba, mas não se deteriora. To be a rock and not to roll, esse homem atravessou as tempestades, enfrentou os excessos like a rolling stone, mas ainda permanece sólido, íntegro, fiel a si mesmo — mesmo quando o mundo à sua volta se desconfigura. Me disseram: ele tem a senha e não entrega a ninguém. 

Outra vez, a lenda fez jus à lenda. E o vimos em seu melhor momento. Porque, sim — aos 74 anos, Glenn Hughes ainda é a voz do rock. Não foi? Azar o seu!

.............

Cobertura: Grings Tours | Quando o Som Bate no Peito. Review: Márcio Grings. Fotos: Laura Aldana. Agradecimento: Homero Pivotto Jr (Abstratti), credenciamento, suporte e assessoria.


 Foto: Laura Aldana 

 Foto: Laura Aldana 

 Foto: Laura Aldana 

 Foto: Laura Aldana 

 Foto: Laura Aldana 

Foto: Homero Pivotto Jr

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ÚLTIMA COBERTURA:

GLENN HUGHES - PORTO ALEGRE, 11 DE NOVEMBRO 2025

| Foto: Laura Aldana | | Por Márcio Grings Fotos Laura Aldana  | Ah, Glenn! Qualquer um que tivesse vivido metade do que você viveu — dro...