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quarta-feira, 7 de maio de 2025

SAXON — PORTO ALEGRE, 6 DE MAIO DE 2025

| Foto: Laura Aldana |
Review Márcio Grings Fotos Laura Aldana |

Há quatro décadas e meia, a banda inglesa que chegou a Porto Alegre nesta terça-feira (6) se tornou um dos pilares do som pesado. A atual turnê, a 9ª em terras brasileiras, com um novo show no Opinião — leia a resenha da passagem anterior (2019) AQUI —, é a última data no país da Hell, Fire & Steel Tour. Vindo de uma miniturnê pelo Japão, onde fez três apresentações (duas em Tóquio e uma em Osaka), no Brasil, antes da capital gaúcha, o Saxon ainda passou por São Paulo (3), como uma das atrações principais no festival Bangers Open Aire, e Belo Horizonte (4), onde se apresentou no Mister Rock.

Formado em Barnsley, South Yorkshire, na Inglaterra, há um símbolo indivisível na persona do grupo: o Saxon surgiu sincrônico ao nascimento do New Wave of British Heavy Metal, subgênero com termologia cunhada em 1979 por Alan Lewis, editor da revista britânica Sounds. O NWOBHM deu o play exatamente quando o punk entrou em declínio e, entre os principais expoentes dessa safra do som pesado, além do Saxon, bandas como Iron Maiden, Def Leppard e Motörhead também surfaram na mesma onda. No entanto, só em 1997 o Saxon visitaria o Brasil, com shows em Santos e São Paulo. Na época, como um quinteto reestruturado e já fora da crista da onda, a aterrissagem fazia sentido, pois não só por aqui — mas em toda a América do Sul — havia uma base sólida de fãs, forjada principalmente nos anos 1980, sedentos por esse encontro. Em tempo: até aquele período, todos os LPs do grupo ganharam edições no país via RGE e EMI, o que justifica sua popularidade.

Foto: Laura Aldana

Quase cinco décadas depois, muitos dos egressos no NWOBHM ainda permanecem no cenário, apesar de poucos terem seguido em frente com ousadia e inovação, não apenas regurgitando um espólio saudosista. Na linha do tempo, o erro estratégico do Saxon está fixado na segunda parte dos anos 1980 (a partir de 1985, principalmente) quando o grupo americanizou o som, amaciando a 'britanicidade' e o peso. Já o Iron Maiden, mais bem orientado pelos seus managers, parece nunca ter superdimensionado o mercado norte-americano e, mesmo assim, se tornou grande nos dois lados do Atlântico, sem abandonar seus propósitos, permanecendo tão britânico quanto o chá das cinco.

Por outro lado, hoje, nos trabalhos deste século, é fácil identificarmos desmedidas repetições de uma fórmula já esgotada na banda de Bruce Dickinson e Steve Harris. Quanto ao Saxon, mesmo tendo diminuído de estatura frente ao Iron Maiden (nos anos 1980, por um breve período, ambos igualaram forças), salvo algum equívoco ou outro, o grupo liderado pelo vocalista Biff Byford, segue conquistando crítica e renovando seu público, repaginando a ordem das coisas e cravando — ano após ano — ótimos discos, como é o caso do elogiado "Hell, Fire and Damnation" (2024).

Doug Scarrat. Foto: Laura Aldana
A FORMAÇÃO

Para entendermos a atual composição que chega até Porto Alegre e a troca de cadeiras em relação à era jurássica, inicialmente comecemos por Nibbs Carter (59 anos), na banda desde 1989. Ele começou sua história no Saxon gravando o baixo no álbum ao vivo "Rock 'n' Roll Gypsies", substituindo um integrante da formação original, Steve Dawson. Antes disso, em 1982, Nigel Glockler (72 anos) ocupou a lacuna deixada por Pete Gill, homem das baquetas nos quatro primeiros LPs. Nigel entrou quebrando tudo no álbum "The Eagle Has Landed" (1982), o mais poderoso registro ao vivo do grupo em qualquer década. Deste modo, juntando-se ao vocalista, o velho general Biff Byford (74 anos), comandante geral das operações, eis o trio que segura a bronca há mais tempo.

Nibbs Carter. Foto: Laura Aldana

Na década seguinte, em 1997, Doug Scarrat (65 anos) substituiu Graham Oliver e foi um dos guitarristas que participou do primeiro tour pelo país. E, por último, quando Paul Quinn decidiu pendurar as chuteiras em março de 2023 (ele esteve em Porto Alegre em 2019), o Saxon anunciou o substituto, Brian Tatler (64 anos), presença legítima no NWOBHM, já que o músico fez história como guitarrista do Diamond Head.

Laura Guldemond, vocalista do Burning Witches. Foto: Laura Aldana
ABERTURA: URDZA E BURNING WITCHES

Antes do Saxon, duas ótimas atrações aqueceram o público. Direto de Santos, a Urdza, que acaba de lançar o seu álbum de estreia, "A War With Myself” (2024), fez um show curto e encaixado. A banda paulista está pronta para alçar voos maiores, guardem esse nome.  Logo depois, a grande surpresa (pelo menos para mim) da noite se deu com a Burning Witches. Essa banda de garotas vinda da Suíça, com cinco álbuns de estúdio lançados, aposta no power e heavy metal dos anos 1980, mas também traz sangue novo e originalidade ao gênero, com destaque para a vocalista Laura Guldemond, uma cantora e performer de mão cheia. Completam o time Romana Kalkuhl (guitarra e voz de apoio), Courtney Cox (guitarra), Jeanine Grob (baixo) e Lala Frischknecht (bateria e voz de apoio). Músicas como "Unleash the Beat", "Dance With the Devil", "The Spell of Skulls" e "Lucid Nightmare" são cartões de visita que dão o tom do calibre das meninas. Voltem logo, já estamos com saudades!

E COMO VEM A ATRAÇÃO PRINCIPAL?

Dividido em duas partes distintas, a Hell, Fire & Steel Tour já passou por 11 países em três continentes, pulverizando uma fusão de novas músicas e sons 'da antiga', além da execução na íntegra de "Wheels of Steel" (1980), álbum que colocou o Saxon na primeira divisão do metal nos primeiros dias de sua década mais fértil. A apresentação em Porto Alegre é a 30ª desse ano, numa agenda que se encerra em novembro. Até o final de 2025, o Saxon fará no mínimo mais 30 shows, o que posiciona a passagem pela capital gaúcha como o meio do caminho da atual turnê.

Nigel Glockler. Foto: Laura Aldana
O SHOW

Em primeiro lugar, parabéns à Opinião Produtora por novamente oportunizar ao público local a assistir aos ingleses ao vivo. Particularmente, se o Saxon virou uma banda de nicho, se não lota mais estádios (não estamos falando de festivais, onde o grupo tem cadeira cativa nos line-ups da Europa), o fato de se apresentar em lugares menores, de poder reunir mais de 1000 head bangers apaixonados numa casa de espetáculo com o peso do Opinião, felizardos de nós que aqui estamos.

Após a introdução com "PROFECY”, quando ouvimos em off a voz marcante do ator britânico Brian Blessed, o Vultan em "Flash Gord" (1980) e Boss Nass em "Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma" (1999), proferindo ditames de antigas profecias e da eterna disputa entre o bem e o mal, um a um, os membros do grupo se posicionam e são ovacionados nos segundos iniciais. O pontapé com a banda tête-à-tête se dá com “HELL, FIRE AND DAMNATION”, um balaço do álbum mais recente. O padrão dos shows atuais é alto, muitas bandas tombaram pelo caminho ou soam como arremedos de si próprias, mas o Saxon permanece em pé, sólido, ainda se conectando com o público no intercâmbio e paixão pelo emblema do metal. Prova disso é ver a alegria de Biff ao perceber que o refrão de "Hell, Fire and Damnation" já está na boca do povo. O ataque das guitarras de Scarratt e Tatler (um volume ensurdecedor), os lanceiros do time, abrem caminho para Biff brandir a espada saxônica. "POWER AND THE GLORY" impressiona, continua candente e ainda mais viva no palco. Já podemos sentir que Tatler está em casa no Saxon, como se tocasse no grupo desde sempre. Antes de "BACKS TO THE WALL", tema do álbum de abertura do primeiro LP do grupo, Biff brinca dizendo que muitos na plateia certamente não tinham nascido em 1979. E esse é um bom exemplo de como as velhas canções soam novas em folha, imantadas por uma energia incrível (tocada mais rápida) e com um arranjo que deixa a gravação original no chinelo. 

Brian Tatler. Foto: Laura Aldana

As novas músicas trazem uma mistura de metal clássico com uma atmosfera mais moderna, como na ótima “MADAME GUILLOTINE”. "HEAVY METAL THUNDER" não apenas tem epítome de hino, como de fato é, assim como é incrível ver a banda em ação com a pegada dos velhos tempos intacta. Sem respiro entre uma música e outra, o sempre empolgado Carter dispara o baixo pulsante de “DALLAS 1 PM”, relato da morte de John Kennedy, que inclui a transmissão de rádio no meio da música. Hit. Também na agenda gaúcha temos um dos clássicos absolutos, "STRONG ARM OF THE LAW", uma amostra de que o Saxon intercala temáticas, podendo falar de truculência policial (é uma das preferidas dos fãs), grudada em "1066", mais uma das boas canções da nova safra, um épico histriônico que trespassa a narrativa de uma batalha saxônica. "THE EAGLE HAS LANDED" é a música que fecha um dos melhores álbuns do Saxon (e essa primeira parte do show), "Power and the Glory" (1983), esteve ausente no setlist de 2019, traz ares reflexivos intercalando dedilhados e riffs poderosos. Tatler e Scarret novamente mostram sintonia, tanto na divisão dos solos quanto na dobra dos riffs, honrando a tradição guitarrística do grupo. Se você gosta de som de guitarra pesada, esse é o seu show!

Biff Byford. Foto: Laura Aldana
WHEELS OF STEEL, O ÁLBUM

Na pole position, entre os álbuns mais representativos do Saxon — aqui está forjado o seu DNA —, o LP lançado em 3 de abril de 1980 colocou o grupo na primeira divisão e na história do heavy metal. Enfurnados em um refúgio rural no País de Gales, uma série de canções foram escritas, duas delas definiram tudo a partir dali: "Wheels of Steel" e "747 (Strangers in the Night)". O disco pega as guitarras de Graham Oliver e Pete Gill (dupla de músicos da formação clássica) e as coloca na linha de frente. Quando ouvimos o álbum, percebemos que elas circulam pelo lado esquerdo e direito das caixas de som, muitas vezes dobradas, até mesmo centralizadas, potencializando a sensação cêntrica dessa escolha. No show  a sensação é semelhante. As músicas são rápidas e as canções trazem letras sobre dirigir em alta velocidade ou do tipo "não deixem que os desgraçados te derrubem". Com isso, "Wheels of Steel" não foi apenas a origem do sucesso do Saxon, aqui o mundo teve o sinal de alerta de que a Grã-Bretanha estava pronta para lançar um ataque sem precedentes, pois, como sabemos, o heavy metal se tornaria um dos gêneros dominantes daquela década.

Assim, a peça central do set da atual turnê traz a íntegra de "Wheel's of Steel", uma das marcas dessa nova gira.

Foto: Laura Aldana
WHEELS OF STEEL, AO VIVO NO OPINIÃO

Antes de tocar o álbum na ordem em que o conhecemos, Biff faz um longo discurso relembrando o público de como era o mundo em 1980: "sem celulares, CDs e streaming. Com LPs, fitas cassete e revistas de música", um discurso saudosista, mas também parece um relato de uma banda sobrevivente. "Não vivemos no passado. Trazemos, sim, o passado de volta quando tocamos ao vivo, mas não vivemos lá", disse Biff a Martin Popoff, um dos biógrafos do grupo. Essa sensação (sobre um passado pulsante) se impõe no público quando o som das motocicletas introduz “MOTORCYCLE MAN”, testemunho sobre o prazer de pilotar uma máquina potente. Para muitos, é o início de uma viagem pela estrada da memória, mas também é possível ver fãs mais jovens curtindo. Poucas bandas congregam essa grandeza, ter músicas em seu portfólio que conectam gerações. É o passado que está de volta. E o séquito do Saxon não se importa de continuar morando por lá. Biff simula estar segurando no guidão de uma moto e acelera a adrenalina do público.

Foto: Laura Aldana

As guitarras ensopadas de phazer em "STAND UP AND BE COUNTED", uma música que versa sobre a busca por um lugar no mundo, dá seguimento na escalada do álbum, na exata sequência do LP. "747 (STRANGERS IN THE NIGHT)" é um dos Montes Rushmore da discografia do grupo (minha preferida, pop e pesada). O tema se baseia num blecaute que aconteceu em Nova York, com pessoas presas no metrô e nos elevadores, quando até as luzes da pista do aeroporto J.F. Kennedy se apagaram. Ainda hoje reverbera a lenda de que nove meses após o apagão (ocorrido em 1965), houve um baby boom. Na letra, Biff até menciona um voo real — o 911, da Scandinavian Airlines — envolvido no apagão, que obteve êxito no seu pouso na Big Apple graças à lua cheia. História digna de um filme... e de uma boa música. Romantizada por Biff, trechos de tudo isso estão na letra, pegando o mote de estranhos se esbarrando à noite durante o blecaute histórico. Sempre gostei do início de '747', que começa pelo solo, uma sensação de que pegamos o bonde andando, com o riff das guitarras atingindo o ouvinte de surpresa. O volume do show e a intensidade do público chega a um dos seus ápices.

Foto: Laura Aldana

Bem, talvez ainda não. A faixa-título, “WHEELS OF STEEL”, crisol alquímico e síntese dos propósitos do Saxon, tem como desculpa temática falar sobre uma competição automobilística e, com isso, promove uma das catarses previsíveis de um show do grupo: o público se une a Biff em uníssono durante o refrão. É também o momento em que o vocalista pega seu celular e filma a plateia ondulando no embalo da cozinha de Nigel e Nibbs (veja AQUI). Virando o lado do LP, praticamente sem brechas entre uma e outra execução, "FREEWAY MAD", "SEE THE LIGHT SHINING" e “STREET FIGHTING MAN” soam como rescaldo após o tufão de um megahit, ponte eficiente e borda áspera que nos leva até "SUZIE HOLD ON", um riff de baixo que atropela tudo, mas que empresta ares de balada marmorizados na voz melodiosa de Biff. Carter toca seu baixo empoleirado no praticável da bateria (ele simplesmente não para um segundo). O tufão volta a ondular em "MACHINE GUN", empurradas pelo efeito do tremolo com a alavanca da guitarra de Scarrat que leva parte do público no Opinião a sacudir a cabeça até quase quebrar o pescoço (eu não tenho a mínima condição de fazer algo parecido). Os sons da explosão ao final da música passam o recado de que tudo pode ter acabado nessa noite... Mas, a audiência clama pela volta do grupo.

Foto: Laura Aldana

Em 2019, poucos meses após a sua primeira vinda ao RS, Biff passou por uma cirurgia de revascularização, o que causou preocupação nos fãs. Seis anos depois, em nenhum momento do show identifico evidências de fragilidade no velho general. O Biff bufão, com a barriga proeminente de um sábio ancião, que joga água no público e ainda agita a massa como poucos (e canta muito, não esqueçam disso!), mostra porque é uma lenda viva. A energia física e a potência de sua voz impressionam. E, após a jogada ensaiada dos apelos do público para que o Saxon retorne ao palco (e a audiência realmente fez barulho), o grupo monta sua despedida com uma quadra de ases — primeiro, a mais pedida da noite, “CRUSADER”; o hino dos hinos; “DENIM & LEATHER” foi cantada em uníssono com o baterista Nigel Glockler arrepiando; “AND THE BANDS PLAYED ON”, outro alvoroço, é uma música símbolo de identificação das letras que falam do homem comum e faz um retrato da simbiose com o público nos shows, e “PRINCESS OF THE NIGHT”, fecha o serviço nessa sarrafada de clássicos do songbook metal. Parecia que o show estava recomeçando, vide a integração entre a banda e seus fãs e, com ambos pulsando em alta rotação, mas assim se despediu do Brasil a Hell, Fire & Steel Tour. De Porto Alegre o Saxon segue para Buenos Aires (8), Montevideo (9) e Santiago (11).

O Saxon é uma banda que se recusa à acomodação, embora obviamente — como dezenas de outros confrades — ainda dependa dos clássicos para manter os fãs envolvidos. Contudo, passados quase cinquenta anos, ela se reaviva, ano após ano, e o show que acabo de assistir é a prova de que, do ponto de vista de uma apresentação, o grupo inglês consegue entregar material novo em nível similar, além de reverenciar um passado glorioso.

Cobertura: Grings Tours | Quando o Som Bate no Peito. Review: Márcio Grings. Fotos: Laura Aldana. Agradecimento: Paulo Finatto (Opinião Produtora), credenciamento, suporte e assessoria.

Foto: Laura Aldana
Foto: Laura Aldana


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