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Willie Walker. Foto: Pablito Diego |
Review
Márcio Grings Fotos
Pablito Diego (
Há Cena)
Toda a criatura que existe sob o sol, tudo que se arrasta, voa e nada - tem um ritmo próprio. E assim se faz a peculiar musicalidade de cada ser. Quis a natureza das coisas que o homem fosse o mais musical dos seres, e entre os escolhidos dessa casta, alguns artistas parecem abençoados por algo deífico. No palco, sob às luzes, ele olha a plateia nos olhos, sorri, ginga o corpo no ritmo da banda, estufa o peito e com uma natural emissão sonora parece esculpir o ar. Assim, manipula sons com contornos absolutamente perfeitos. Eu falo da voz de de um cantor especial, dotado de um invisível aparato melódico assestado para nos maravilhar.
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Foto: Pablito Diego |
Essa reflexão me toma de assalto quando ouço
"A Change Is Gonna Come" pular da garganta de Willie Walker direto para os nossos ouvidos. O pequeno grande homem é o responsável pela feitiçaria disfarçada pelas cores vivas do blues e do soul, resultando num espetáculo imperdível que acontece nesta terça-feira 12 de março de 2019, e acreditem - aqui em Santa Maria (RS), essa cidade aparentemente esquecida pelo Criador. Fácil reparar nos diversos rostos espalhados pelo bar e encontro arrebatamento em cada face semi-iluminada. Ah, você não estava por lá? Sem problemas, posso contar algumas coisas que vi e senti ao longo da noite...
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Foto: Pablito Diego |
Depois do première com Luciano Leães + Kingsize Blues no último dia 28 (leia review
AQUI), o Memorabilia Blues no Plataforma 85 (Gare da Estação Férrea, anexo ao Mercado Público) preconiza sua estreia internacional. Noite para assistir ao show do cantor norte-americano, artista e repertório que representam o autêntico espólio do Memphis Soul - ou Memphis Sound - tradicional linhagem do Southern Soul. Trata-se de um estilo que ganhou as paradas de sucesso nos anos 1960/70, impulsionado principalmente pela Stax, gravadora sediadas em Memphis, Tennessee. Quem diria que no ressurgir do século seguinte o Memphis Soul estaria mais vivo do que nunca!?
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Foto: Pablito Diego |
Explicando um pouco melhor, Memphis é o lar de um dos primeiros nomes fonográficos do blues, W.C. Handy, berço artístico de Memphis Minnie, Frank Stokes e Joe McCoy. Pós Segunda Guerra a cidade brilhava ao som de BB King, Rufus Thomas, Big Walter Horton, Howlin' Wolf, Bobby "Blue" Bland, Little Milton, Ike Turner e muitos outros. Nos anos 1950, o som de Memphis definitivamente alterou a curva da música pop mundial, pois de lá saíram Elvis Presley, Johnny Cash, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e Chuck Berry, até então estrelas emergentes da Sun Records. E enfim, com a Stax vieram Wilson Picket, The Bar-Keys, Otis Reding, Booker T. & the MG's e Albert King. Dá pra sacar por que o som de Memphis é importante para a música pop?
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Foto: Pablito Diego |
Willie Walker atua nesse contexto, ainda jovem começou a carreira performando nos grupos de doo-wop e cantando pelas esquinas da Beale Street. Por mais que durante esse período mágico o sucesso tenha apenas arranhado bem de leve a sua porta, após uma longa ausência fora dos palcos, o cantor conseguiu se reinventar e ressurge nos dias de hoje como uma das genuínas vozes desse importante legado da música estadunidense. Depois de sua primeira vinda ao país em 2014, Willie voou alto - gravou três álbuns e praticamente não parou mais de trabalhar. Nessa elevação de nível, gravando discos, uma janela imensa se abriu. O veterano
soulman é novamente um dos indicados ao Blues Music Awards de 2019, o Grammy do Blues, na categoria Best Blues Male Artist, mesma premiação que também estão relacionados nomes como Buddy Guy, Kenny Neal e Ben Harper. Com mais quatro indicações, seu último álbum, "After While", é destaque na premiação acontece no próximo dia 9 de maio, em Memphis. O cutuque de muitos é que desta vez ele leva o troféu pra casa.
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Foto: Pablito Diego |
Walker chega a Santa Maria após 10 apresentações no país, a segunda com essa formação. São eles - o
guitar hero do blues nacional, Igor Prado (guitarra), o fenomenal das teclas Luciano Leães (piano), e aquela cozinha de respeito - Edu Meirelles (baixo) e Ronie Martinez (bateria). E a apresentação começa assim, em quarteto, sem Willie no palco. Dois temas instrumentais apresentam armas - em cena, breves demostrações de que a banda base não atua apenas no quesito da coadjuvação. O show esquenta, e sob uma chuva de aplausos, Willie lentamente se aproxima das luzes. Terno dourado, tons e sobretons, vestido 'de ouro' da cabeça aos pés. Além de ser 'a voz' do soul, Willie Walker distribui simpatia e simplicidade. Na mão, uma taça de Domec, sua bebida preferida - aos 77 anos, bebe conhaque e fuma um Marlboro atrás do outro (autografa CDs e tira fotos no camarim com um cigarro entre os lábios). No palco, permanente intercâmbio com a banda claramente o inspira. Ao decorrer do espetáculo, muitas vezes ele ri alto, uma risada engraçada que também pontua suas tiradas fora do palco. Willie é naturalmente divertido, e essa atuação não é uma performance.
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Foto: Pablito Diego |
No repertório, algumas de suas composições miscigenadas a clássicos do soul, músicas que todos nós nunca cansamos de ouvir. E claro, o blues também bate cartão. Epítomes como "Thrill is Gone" (BB King) e "Body and the Fender Man" (Johnny Adams), releituras que revelam abordagens classudas, aquela forma de cantar que só os grandes traduzem aos mortais. Porém, quando caminha em direção ao soul, entendemos a alcunha de Rei do Memphis Soul. Nascido em Hernando, no Mississippi, Willie construiu sua trajetória no rastro do legado de Memphis, e ouvi-lo ao vivo é como vê-lo incorporado ao imaginário desse espólio musical. Canções como "Let's Stay Together" (Al Green) e Knock On Wood (Otis Redding), além da já citada "A Change is Gonna Come" (Sam Cooke) roubam nossos corações para sempre. No entanto, em cerca de 1h30 de apresentação, nada se equivale a fenomenal versão de "Cry to Me" (Solomon Burke), inesquecível e brilhante retrato de uma noite praticamente perfeita.
Veja o vídeo de "Cry to Me". Captação Pablito Diego (Há Cena).
Todos nós que gostamos de blues, soul, e como arqueólogos do som em constante busca pelos últimos resquícios da legitimidade da velha escola da música negra norte-americana, nos curvamos. Solenemente, ou não, nos vergamos sobre à sombra dos derradeiros gigantes do gênero. Longa vida, Willlie! Poucas memórias serão tão extraordinárias quanto essa do dia 12 de Março.
Willie Walker encerra seu tour 2019 no Brasil com mais três apresentações - Mogi das Cruzes (14), Londrina (15) e São José dos Campos (16), quem sabe seus derradeiros shows antes da consagração como ganhador do Blues Music Awards em maio. Particularmente, fico na torcida pelo baixinho.
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Foto: Pablito Diego |
O Memorabilia Blues no Plataforma 85 é apresentado por Ortsac, Brita Pinhal e KL Seguros. Patrocínio - Uglione, Neo Autoposto e Ortcons. Cerveja Oficial Santa Madre Cervejaria. Apoio - Cabeça Arte, Depra Barber Club e Diário de Santa Maria. Som - Bolzan Áudio. Luz - Vanessa Giovanella. Coordenação administrativa - Alfredo Giardin e Taís Streit. Comunicação e cobertura fotográfica Há Cena Cultural. Realização Plataforma 85 e Grings - Tours, Produções e Eventos.
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Foto: Pablito Diego |
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