Por Márcio Grings Fotos Lauro Alves Poucas vezes me senti tão assombrado frente ao espectro de um espetáculo. E não falo apenas do conteúdo intelectual do evento, mas num sentido mais amplo. Se pudéssemos colocar “The Wall Live” em uma cápsula do tempo, e supostamente remontá-lo daqui a 40 ou 50 anos, possivelmente ainda teríamos um ótimo resumo (da ópera) de como o rock and roll pôde alcançar o status de arte. Não que o gênero nunca tivesse encontrado esse enlace, claro que sim, várias vezes, inclusive. No entanto, a obsessão de Waters em revisitar uma de suas obras-primas tornou essa obstinação ainda mais peculiar. Confira "In The Flesh?", recorte extraído do filme "The Wall Live" (vídeo incluído em 2017).
À primeira vista, o novo show de Roger Waters parece ser apenas uma experiência tecnológica. Mas não é. Em primeiro lugar, trata-se de uma imersão emocional. Afetiva. No entanto, voltando ao mundo real a parafernália que move o circo de “The Wall Live” impressiona primeiramente pelos números. O maior dos telões em forma de muro chega aos 137 metros de largura. E que som! No entanto, “The Wall Live” nos assombra principalmente pela força de uma obra que teima em permanecer arejada e relevante, mesmo passadas mais de três décadas de sua concepção. E do alto de seus 69 anos, Roger Waters continua impregnado pelo palco e pela emoção de se comunicar com as multidões.
Foto: Lauro Alves
Parece que o ex-Pink Floyd consegue turbinar tudo aquilo que há de mais positivo em sua obra-prima confessional/pessoal, mas que, no entanto, soa extremamente familiar como temática que aborda diversos dilemas da vida moderna. O “Porco Voador” que sobrevoou a plateia com os dizeres “R$2,85 é roubo!“ (referindo-se ao valor da passagem de ônibus na Capital) mostra que Waters ainda usa a música como ferramenta política, e mais: ele dá voz ao público. Entre os homenageados da noite, Jean Charles de Menezes, brasileiro morto pela polícia inglesa em 2005. Não bastasse a menção, os pais de Jean Charles foram convidados a assistir a primeira apresentação do tour no país.
Foto: Lauro Alves
À frente de uma equipe de mais de 80 pessoas, o músico inglês que fez história como líder de uma das bandas mais amadas da história do rock, levou centenas de pessoas às lágrimas em canções como “Mother” e “Confortably Numb”. “The Wall Live” pode soar superlativo e pirofágico, como na abertura em “In The Flesh”, mas também pode nos colocar numa sala de estar a emular um cena teatral, como em “Nobody Home“. Os desenhos e a concepção artística de Gerard Scarfe, amplamente conhecidas em imagens icônicas na capa e no encarte do LP original e nas animações no filme de Alan Parker, também estão no espetáculo. Assim como os bonecos do professor, da mãe excessivamente protetora e da mulher demônio.
Foto: Lauro Alves
A banda de Waters tem nomes de peso como os guitarristas Snowy White, G.E. Smith e Dave Kilmister, além de um timaço de músicos e vocalistas que emprestam cores diversas ao concerto. Como não se emocionar com a versão mais intimista de “The Show Must Go On”, os diversos recortes de imagens e tonalidades que nos deixam boquiabertos, e com as projeções espetaculares no telão circular e nas paredes do muro. Mesmo muro que sepulta a banda da visibilidade do público, para logo depois desabar sob os olhos incrédulos de uma mesma audiência catártica. Na despedida de Roger Waters e os seus, vemos o grupo de músicos abandonando a espaçonave e atuando como um bando de saltimbancos. Um a um, mediante apresentação do capitão da nave, eles vão deixando o palco como se fossem passageiros de um ônibus estelar.
Fotos: Lauro Alves
Saí de lá como uma certeza: Nunca mais veremos algo parecido. “The Wall Live” é o “Maior Espetáculo da Terra”. Mesmo que esse título já tenha sido usado centenas de vezes. Difícil voltar à vida normal depois dessa noite. Difícil... Veja o trailer de "The Wall Live", que virou documentário (vídeo adicionado em 2017).
Confira o setlist da apresentação.
“In the Flesh?” “The Thin Ice” “Another Brick in the Wall Part 1″ “The Happiest Days of Our Lives” “Another Brick in the Wall Part 2″ “Mother” “Goodbye Blue Sky” “Empty Spaces” “Young Lust” “One of My Turns” “Don’t Leave Me Now” “Another Brick in the Wall Part 3″ “Goodbye Cruel World” Intervalo “Hey You” “Is There Anybody Out There?” “Nobody Home” “Vera” “Bring the Boys Back Home” “Comfortably Numb” “The Show Must Go On” “In the Flesh” “Run Like Hell” “Waiting for the Worms” “Stop” “The Trial” “Outside the Wall”
Nenhum comentário:
Postar um comentário