Tenha certeza, nada escrito, fotografado ou filmado reflete a plenitude da sensação real de estarmos circulando pelo Mississippi Delta Blues Festival 2018. Na verdade, se você gosta de blues, e vive no Brasil, esse é o evento a ser visitado, assim como a presença física é o vetor sensorial dessa experiência. Afinal, em que lugar do país você assiste a uma apresentação de blues onde os músicos tocam 'praticamente' na varanda de suas casas? (uma analogia ao Front Porch Stage). Certamente, só aqui no MDBF. E o melhor - você vê a tudo sentado no quintal. Confesso que depois de quatro anos, ao retornar ao Largo da Estação Férrea em Caxias do Sul (RS), novamente fui tomado por um sentimento de júbilo, como se estivesse voltando para casa. Batizada de Shack Edition, já que cada edição ganha nome e temática associada, neste ano o tema central do MDBF é o Front Porch, a ‘Casinha do Blues’ como ficou conhecida. Trata-se de um casebre espelhado nos pardieiros do imaginário do Mississippi, região localizada no epicentro de onde o próprio blues foi desencavado direto para sua manjedoura.
Alguns pré-requisitos estão implícitos na cartilha do evento: previna-se, satisfação garantida, mas nada é barato dentro do MDBF, assim como são muitas as opções para sua carteira esvaziar num piscar de olhos. Segure a emoção, essa é uma dica. Gosta de levar uma lembrança? Chance de pegar um autógrafo direto dos artistas, fazer uma foto com vários deles, comprar CDS, levar pra casa bonitos copos personalizados e souvenires. Além do mais, diversas opções gastronômicas estão estrategicamente espalhadas pelo espaço físico da Estação Férrea, assim como destilados e cervejas artesanais, para que desse modo, ninguém perca a energia frente à maratona de atrações, tudo dividido em seis palcos.
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Trash Panda Creek Band. Foto: Pablito Diego |
Passados poucos minutos das 19h, de cara conferimos alguns minutos da apresentação de Enzo Viero, responsável pela abertura do palco Flea Market - voz, violão e um punhado de standards do blues das décadas de 1920/30. Dando um pulo no Front Porch, o mais charmoso dos tablados do evento, lá está o quarteto Trash Pand Creek Band, grupo formado pelos norte-americanos Ken Meek (banjo e voz), Tony Lupidi (bandolim e voz) e Bruce Henri (baixo). Com eles, Beto Mendes (voz e violão). Temas como “Who’ll stop the rain” (Creedence C. Revival), Roadhouse Blues (The Doors) e “Soulshine” (The Allman Brothers Band) também azeitam o setlist do quarteto.
Enquanto escolho minha refeição, numa espécie de praça de alimentação em frente ao Folk Stage, confiro alguns minutos da apresentação de Ricardo Biga, músico serrano que acaba de lançar seu álbum de estreia, “Simple” (2017).
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Rhay's Soul Project. e Performance Crowns. Foto: Pablito Diego |
Já no Magnolia Stage, assisto pouco menos da metade da apresentação de Rhaysa Santos, a frente do Rhay’s Soul Project. O projeto paga tributo ao legado das grandes cantoras da música negra, mas também relê peças recentes de Joss Stone e Adele. Deu tempo de ver uma bela reinterpretação de “House of Rising Son”, além de conferir a performance "Crowns" - um resgate da simbologia das crowns, que são os chapéus vestidos pelas mulheres no Sul dos Estados Unidos em décadas passadas. Rumo ao Hopson Stage, o maior dos palcos do MDBF, eis a primeira bola fora da noite - o projeto Elegance, uma aposta no soft jazz, com Tita Sachet e Rafa Gubert. Como exemplo desse deslocamento da dupla frente ao espírito do evento, basta ouvir a versão de “Time of my life”, de Bill Medley, música propagada mundialmente na trilha sonora do filme “Dirty Dancing” (1987). Nem a releitura de “Superstition” (Stevie Wonder) os salva do consequente êxodo de meu interesse. Hora de tomar mais um Stout.
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Jes Condado e Pedro Strasser. Foto: Pablito Diego |
E quando quando retorno ao Magnolia Stage, a cantora argentina Jes Condado oferece tudo aquilo que esperamos de um concerto - presença de palco somada a uma mistura de graça e talento. Seja apenas com seu corpo e a voz, ou até mesmo mandando muito bem com baixista, Jes é uma daquelas artistas que parece crescer nas apresentações. Na rela, “I’m tore town”, velho cavalo de batalha de Freddie King; “Hard to handle” e “Mustang Sally”, gemas do repertório de Otis Redding; “How Sweet It Is (To Be Loved by You)", uma das preferidas de Marvin Gaye; e “All your love”, de Otis Rush. Destaque para o blues “Buscando la forma”, faixa de “Shades of blue” (2017), álbum de estreia da cantora. Participação especial da também argentina, Natacha Seara, gaitista que lançou em 2010 um bom álbum de estreia, “Tach and teach”, além de Pedro Strasser, baterista do Blues Etílicos, músico carioca que continua a se aventurar pelos instrumentos de sopro, no caso específico o saxofone.
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Jes Condado e Natacha Seara. Foto: Pablito Diego |
Nova visita ao Hopson Stage, Zé Pretim é a prova viva de que o blues em português não só pode funcionar, trata-se de uma aposta certeira dentro do contexto do festival.Afinal, estamos no Brasi,, não é? Ainda mais quando o artista baiano mistura tudo em temas como “Trem do pantanal” (Geraldo Roca/Paulo Simões), "Um violeiro toca" (Almir Sater) e “Rio de Piracicaba” (Tião Carreira e Pardinho), para depois encaixar “Before you acuse me” (Bo Diddley). Eis um autêntico bluesman com alma brasileira e dotado de uma visão mais ampla da costumeira quimera do
traditional.
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Foto: Camila Gonçalves |
Das atrações mais esperadas da Shack Edition, Bill Howl-N-Madd Perry é também uma das pérolas ainda não ofertadas ao grande público. Protagonista do hill country, o blues que subiu do delta para as colinas e nos deu lendas como R.L. Burnside e Junior Kimbrough, expoentes de uma vertente musical disseminada nas montanhas do Norte do Mississippi e responsável por influenciar bandas como Black Keys e The White Stripes. Um dos últimos personagens 'vivos' do gênero, por isso ver Bill Perry ao vivo é ter uma oportunidade única de testemunhar frações significativas desse legado.
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Bill Howl-N-Mad Perry. Foto: Pablito Diego |
Com apenas três álbuns tardios gravados, “The way of blues” (2009), “Blues is not exclusive” (2011) e “The Clarksdale Sessions” (2012), o show do veterano no Front Porch tem a participação de sua filha, a tecladista/cantora Shy Perry. Os argentinos Nico Fami (guitarra) e Adrian Flores (bateria) atuam como
sidemen do músico no Brasil. Entre os destaques, impossível não se emocionar com a versão catarrenta de “Love in vain”, um dos grandes temas de Robert Johnson, além da releitura de “Wang dang doodle”, música de Willie Dixon. Conhecida na voz de Koko Taylor, uma das inspirações de Shy, e momento solo da filha de Howl-N-Madd.
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Shy Perry. Foto: Pablito Diego |
Shy Perry chama a atenção não apenas pela sua voz, pois uma das máximas de Janis Joplin pode ser associada a sua persona:
“Eu canto com a minha alma, com o meu corpo, com o meu sexo. Eu canto inteira”. E toda a intensidade da artista norte-americana poderá ser novamente certificada nesta sexta-feira (23), noite em que a cantora se apresenta no Magnolia Stage. E para quem não assistiu a apresentação de Bill Howl-N-Madd Perry, próximo sábado (24) o bluesman é atração no Hopson Stage. Chance de vê-lo tocando temas como “The way of blues”, um dos números que definem sua sonoridade.
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Cláudia Sette. Foto: Pablito Diego |
Voltando ao Magnolia Stage, uma pena ter conferido apenas a última música da cantora carioca Cláudia Sette, que coloca abaixo o público com uma versão de “Unchained my heart”, justamente a saideira da noite no palco feminino.
De mala e cuia para o Hopson Stage, um pouco antes da última atração, cheguei a tempo de ver uma introdução solo de Otávio Rocha, guitarrista do Blues Etílicos, mandando lenha numa guitarra quadrada (ao estilo do lendário instrumento de Bo Diddley). Terreno preparado, no palco um dos melhores
bluesman em atividade no solo britânico, Ian Siegal. Ao seu lado, dois guitarristas, o carioca Álamo Leal e o italiano Luca Giordano. Siegal é um dos atuais gigantes do blues mundial, e além de vocalista de mão cheia, é um invejável instrumentista. Vê-lo atuando em canções como em "She got devil in her" certifica-o como performer que domina vários ingredientes básicos do blues, sem descartar a originalidade.
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Ian Siegal. Foto: Pablito Diego |
Climas, dinâmicas, alternância de timbres vocais e um roteiro digno dos consagrados vocalistas do gênero. Com treze álbuns lançados, Ian Siegal tem repertório de sobra para assombrar num setlist apenas com composições próprias. Porém, nada o impede de imprimir sua marca também em temas de Magic Slim e Muddy Waters. Afinal, não há uma dívida eterna com nossos ídolos? Prova disse é que canções como "I am the train" se assemelham aos grandes standards dos anos iniciais do rock feito nos anos 1950, assim como, com a marca do blues/soul, "Sweet souvenir, de "All the rage", seu último trabalho de inéditas, o coloca no patamar dos grandes cantores do gênero.
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Ian Siegal. Foto Pablito Diego |
A parte mais frustrante do evento é justamente a incapacidade de assistirmos a totalidade das atrações. Segue aqui a lista daquilo que não consegui ver: Flávio Ozelame (RS) e Ivan Mariz (RJ); Marcos Lacerda & Marcus Kenyatt (RJ); os excelentes The Headcutters (SC); além de Marcelo Villela & Álamo Leal (RJ), além do segundo set da apresentação de Bill Howl-N-Mad Perry. E ainda rolaram as famosas jams até o final da madrugada dentro do Mississippi Bar.
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Foto: Camila Gonçaves |
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