Fotos: Fábio Codevila |
Pelo menos nos últimos anos, nenhum tour mundial em curso pelo país gerou tamanha discussão e repercussão fora do espectro artístico. Durante grande parte do mês de outubro, Roger Waters incursionou pelo olho do furacão da controvérsia política. E como estava aqui, batendo cartão em nosso quintal, atento aos acontecimentos, praticamente numa posição de 'analista internacional', o músico britânico pôde vivenciar o ambiente de polarização na disputa eleitoral para a Presidência da República. E não apenas isso, como habitual nas suas práticas de militância, ele não se omitiu, não se furtando de hastear sua bandeira de protesto. A turnê Us + Them começou por São Paulo (7), e encerrou três semanas depois, exatamente no show em Porto Alegre (30), pouco mais de 48h após o término do pleito eleitoral. Além de uma data extra da capital paulista, o ex-Pink Floyd ainda tocou em outras seis metrópoles. Por importantes fatores extra-musicais, antes de falarmos do último show da perna brasileira da turnê, é necessário um breve resumo das ações até a derradeira apresentação na capital gaúcha.
Relembre a passagem anterior de Roger Waters pelo RS - Beira-Rio, 25/03/12
US + THEM EM CURSO PELO PAÍS - Na atual digressão, que teve início em 21 de Maio de 2017, em Kansas City (EUA), Roger Waters propõe uma mistura entre clássicos da banda que o tornou um dos grandes ícones da música mundial, com a soma de temas de "IsThis The Life We Really Want?" (2017), seu álbum mais recente. Contudo, sabemos que o ativismo político do artista nunca arrefeceu, permanentemente hasteando sua flâmula pela garantia dos Direitos Humanos, fazendo com que suas apresentações ultrapassem uma moldura musical dedicada ao inofensivo entretenimento da massa. "Acho surpreendente que alguém possa ter ouvido minhas músicas por 50 anos sem entender [meu posicionamento]", respondeu. Inclusive, o baixista dá uma alternativa aos fãs que não concordam com seu ponto de vista: "Vejam o show da Katy Perry (...) Eu não me importo". Desse modo, uma das pertinentes flamas ideológicas da turnê Us + Them é o alerta contra a permanente ameaça do fascismo em diferentes partes do mundo. Um exemplo dessa ação no escopo do evento está simbolizada nas duras críticas ao governo de Donald Trump.
Relembre a passagem anterior de Roger Waters pelo RS - Beira-Rio, 25/03/12
Foto: Fábio Codevilla |
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NÓS E ROGER WATERS / O SHOW EM PORTO ALEGRE - A apresentação em Porto Alegre começa pontualmente às 21h, e acabaria 2h25 depois, sendo a mais curta das oito que Waters fez no país. Tudo é impressionante na estrutura do evento. Para começar, um palco de 750m²; porcos voadores; réplicas das chaminés da termoelétrica de Battersea, em Londres; projeções que usam tecnologia de ponta; 17 projetores de 30K; cinco projetores de 7K para as monstruosas chaminés e uma imensa tela de LED de 6k alimentada por 6 feeds; o mair telão frontal HD que você já viu na vida com resolução de 32 Mpixels, ou seja - uma parafernália tecnológica que deixa o público de queixo caído, além de potencializar todas as sensações de estar frente a um dos repertórios mais celebrados do rock em todos os tempos. Só para o porco voador, 48 câmeras e 12 Copernics seguem e iluminam um dos momentos mais esperados do evento. O animal inflável sobrevoa a plateia utilizando a tecnologia de um drone, materializando assim uma recriação da capa de "Animals" (1977).
Logo nos segundo iniciais, com a introdução de "Speak to me", temos a certeza de que avançamos a passos largos rumo ao território floydiano: - som de relógios e máquina registradora; retalhos de falas e risadas; batidas de coração simuladas por um loop do bumbo de Nick Mason - efeitos sonoros com pontos de áudio espalhados por todo estádio, experiência quadrafônica que antecipa "Breath", sequência de abertura de "Dark side of the moon" (1973). Por mais que todos os olhos se voltem para o protagonista, não há como não mencionar os acompanhantes de Roger Waters. No grupo base, o velho colaborador Jon Carin (piano, teclados, programações, guitarra e vocais); David Kilminster - guitarra e baixo; Gus Seyffert - guitarra, baixo e vocais; Jonathan Wilson - guitarra, baixo e vocais; Bo Koster - piano e teclados; Ian Ritchie - saxofone; Joey Waronker - bateria; além de Jess Wolfe e Doris Laessig (vocais de apoio e percussão).
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A massa sonora empurrada por esse super-time emula o espírito de um Pink Floyd na ponta dos cascos. É o que vemos em "Time", antecipada pelos badalos, despertadores e o compassado tiquetaquear de um relógio, DNA típico do quarteto Waters/Gilmour/Wright/Mason. Se você leu em algum lugar manchetes do tipo "Roger Waters mergulha em política e se esconde em banda cover de Pink Floyd", não se engane. É muito mais do que isso. Além de todo o aparato tecnológico, o que realmente importa é o somatório da proficiência técnica, com um dos melhores shows da atualidade no rock, um repertório emocionante e a sensação de que um DVD está sendo filmado ao vivo frente aos nossos olhos incrédulos.
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A versão de "The Great Gig in the Sky", um dueto entre as vocalistas de apoio da banda, traz novo sopro a versão original de Clare Torry. As canções do novo álbum solo, "Is this the life we really want?" dialogam perfeitamente com o vernáculo emocional de seus clássicos. Temas como "Déjà Vu", "The Last Refugee", "Picture That" e "Smell the Roses" se entrelaçam esteticamente aos standards do Pink.
Conforme o cronograma habitual da turnê Us + Them, as principais manifestações políticas se detiveram as menções a Donald Trump e pedidos por resistência e ativismo. Num dos importantes momentos da noite, em "Another Brick in the Wall, Part 2", doze crianças do projeto Ouviravida (Porto Alegre), encapuzadas sobem ao palco com macacões laranjas, e durante o refrão da música, retiram o capuz para logo depois exibirem camisetas pretas com a palavra "Resist". Não houve menções diretas/indiretas a Bolsonaro, nem mesmo a hashtag #elenão surgiu no telão, dessa vez Waters resolveu diluir sua linha de protesto dentro do caldeirão geral. Para bom entendedor... Uma curiosidade: na capital gaúcha, Jair Bolsonaro teve 56,85% dos votos válidos, contra 43,15% de Fernando Haddad, mesmo assim, entre os 44 mil espectadores presentes, foram os gritos de "ele não" que soaram mais fortes no Beira-Rio.
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Durante o intervalo de 15 minutos, o telão nos mantém conectados ao palco através de mensagens de alerta a violações de direitos humanos. De súbito, a usina termelétrica de Battersea surge imponente com chaminés fumegantes, ao mesmo tempo em que uma chuva fina traça riscos em frente as luzes do palco. Trata-se do momento mais político da noite, com "Dogs" e "Pigs", explícitas missivas endereçadas a Trump. Enquanto isso, o porco voador com as palavras 'Stay Human/Seja Humano' sobrevoa a pista em frente ao palco, imagens que nos levam de volta ao álbum "Animals" (1977). "Money" e "Us and Them" revelam o talento de Jonathan Wilson, que além de reprisar várias das guitarras de David Gilmour, também é o responsável por incorporar a digital de sua interpretação. Os dois temas ainda contam com o saxofone de Ian Ritchie.
Chegando a ponta de baixo do set, o show chega aos seus instantes finais com o epílogo de "Dark side of the moon", o medley "Brain Damage/Eclipe". A chuva se intensifica, a equipe do tour cobre os equipamentos e arma pequenos toldos para proteger os músicos. Desse modo, a chuva encurta a apresentação. Roger anuncia que por cautela, algumas músicas precisam sair do o set. Assim, deixamos de ouvir "Mother" (ou "Two suns in the sunset"). "Confortably Numb", um dos temas símbolo de "The Wall" é o ato conclusivo da apresentação. "De coração, obrigado! Cuidem uns dos outros. And good night".
Durante "Money", talvez muitos não tenham percebido, o telão exibiu a frase: "Vocês não venceram, no seu mundo nunca há vencedores, só perdedores, e todos perdemos", uma mensagem que talvez tenha passado rápido demais para maus entendedores. Saio do Beira-Rio com a sensação de anticlímax. Um temporal despenca pelas ruas da capital. Tomo um depurativo banho de chuva a caminho do ônibus de excursão que me levará de volta para Santa Maria. Literalmente, de alma lavada com o Outubro Vermelho, pois temos a consciência tranquila de que fizemos nossa parte. E Roger estava do nosso lado. Fica a certeza de que toda luta é válida, que a derrota sempre nos ensina a ficarmos ainda mais fortes, que há convicção quando estamos alinhados a valores que nunca nos envergonharão.
Durante "Money", talvez muitos não tenham percebido, o telão exibiu a frase: "Vocês não venceram, no seu mundo nunca há vencedores, só perdedores, e todos perdemos", uma mensagem que talvez tenha passado rápido demais para maus entendedores. Saio do Beira-Rio com a sensação de anticlímax. Um temporal despenca pelas ruas da capital. Tomo um depurativo banho de chuva a caminho do ônibus de excursão que me levará de volta para Santa Maria. Literalmente, de alma lavada com o Outubro Vermelho, pois temos a consciência tranquila de que fizemos nossa parte. E Roger estava do nosso lado. Fica a certeza de que toda luta é válida, que a derrota sempre nos ensina a ficarmos ainda mais fortes, que há convicção quando estamos alinhados a valores que nunca nos envergonharão.
A turnê conclui sua perna sul-americana no Uruguai (3), Argentina (6 e 9), Chile (14), Peru (17) e Colômbia (21). O último show em 2018 está agendado para o dia 8 de dezembro, em Monterrey, no México. Ainda sobre o show de Roger Waters em Porto Alegre, nossos agradecimentos a Jéssica Barcellos e Cátia Tedesco (Agência Cigana) pelo suporte e credenciamento.
Set 1:
Speak to Me
Breathe
One of These Days
Time
Breathe (Reprise)
The Great Gig in the Sky
Welcome to the Machine
Déjà Vu
The Last Refugee
Picture That
Wish You Were Here
The Happiest Days of Our Lives
Another Brick in the Wall Part 2
Another Brick in the Wall Part 3
Set 2:
Dogs
Pigs (Three Different Ones)
Money
Us and Them
Smell the Roses
Brain Damage
Eclipse
Comfortably Numb
Veja mais fotos de Fábio Codevilla.
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Excelente resenha! Foi tudo isso mesmo e muito mais! Ressalto que, em Money, foram exibidas as frases (mais ou menos assim, ao que lembro): "Vocês não venceram, no seu mundo nunca há vencedores, só perdedores, e todos perdemos"! Como você ressaltou, "para bom entendedor..."
ResponderExcluirGracias, Micael! Abraço.
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