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quarta-feira, 21 de março de 2018

STEVE HACKETT - PORTO ALEGRE, 20 DE MARÇO DE 2018


Foto: Camila Gonçalves
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Por Márcio Grings Fotos Camila Gonçalves

No dia 11 de maio de 1977, um jovem casal de namorados pegou um ônibus em Santa Maria rumo a Porto Alegre. O destino final demarcava um fato incomum naqueles tempos: assistir um show internacional na capital gaúcha. Muito antes do RS estar alinhado ao corredor dos grandes eventos do gênero na América do Sul, tal iniciativa não era apenas um acontecimento atípico a ser celebrado: em primeiro lugar, deveria ser prestigiado por qualquer fiel fã de rock! Por isso, para dois amantes da boa música internacional, não havia chances deles não estarem presentes na primeira passagem do grupo britânico Genesis pelo Brasil. E lá estavam Paulo e Vânia - frente à frente com Phil Collins, Steve Hackett, Mike Rutheford, Tony Banks e o baterista convidado Chester Thompson, homens responsáveis pela "After the Wind & Wuthering tour", digressão que já antecipava alguns temas do até então ainda inédito novo álbum da banda, "Wind & Wuthering", lançado em dezembro daquele mesmo ano.

Era uma quarta-feira de outono no Estado, e a segunda noite de show do Genesis no Gigantinho. Entre expectativa, êxtase e realização de um sonho, uma curiosidade: "A duração do show foi mais curta porque Mike Rutherford sentiu-se mal, teve uma espécie de mal súbito. Além disso, nessa segunda noite, o raio-laser deu pau. Em resumo: quem esteve na primeira noite se deu melhor", relembra Paulo Coser. Sim, além do problema com as luzes, a apresentação teve apenas uma hora e quinze de show, aproximadamente. Cerca de sessenta minutos a menos do que a noite anterior (e não apenas 12 minutos como noticiaram alguns jornais na época). Segundo o livro "Lembra do Transasom", escrito por Pedro Sirotski, o verdadeiro motivo do mal súbito do baixista foi um coquetel de vodca com chocolate quente em Gramado. Mike foi a nocaute. O irmão de Paulo, Francisco Coser, fez algumas fotos do show no Gigantinho. Veja AQUI  

Foto: Camila Gonçalves
Mais de 40 anos depois, o mesmo casal retorna a Porto Alegre com a memória incandescente daqueles dias. Afinal, ainda estamos falando do espólio do Genesis, já que grande parte do tesouro da discografia do grupo voltara à baila na noite desta terça-feira 20 de março de 2018...

Principalmente ao que compete ao prolífico período em que o vocalista Peter Gabriel e o guitarrista Steve Hackett dividiram  estúdios e palcos. Em retrospectiva, Gabriel saiu em 1975, e Hackett deixaria o Genesis apenas cinco meses após a passagem pelo Brasil, em outubro de 1977. Pra encurtar a história, o Genesis sobreviveu muito bem sem os dois, aproximou-se de vez das rádios, distanciando-se do viés progressivo, além de tornar Collins seu principal protagonista.

Foto: Camila Gonçalves
Voltando a 2018, se Peter Gabriel não olha para o passado e raramente retorna ao repertório que o consagrou nos anos 1970 (há quatro anos ele não faz shows), se Phil Collins partiu para o lado iluminado da força ao se tornar uma estrela reconhecida pelo seu trabalho solo, coube ao paladino Steve Hackett empunhar a espada de Último Jedi a defender esse legado que misturava rock, teatro e literatura. Por isso, essa nova turnê de Hackett - "Genesis Revisited, Solo Gems & GTR 2018 Tour de Force", passa a ser um evento imperdível para qualquer fã de rock progressivo, principalmente quando falamos da fase áurea do Genesis. "Estamos presenciando os últimos escombros da era clássica do rock", me diz Lauro Hack(ett), um dos fãs mais entusiasmados que encontro minutos antes do início da apresentação.

Primeira noite de outono, Auditório Araújo Vianna, o show de Hackett começa religiosamente no horário programado, às 21h. O guitarrista volta ao início de sua carreira solo apresentando temas como "Please Don't Touch Me" e "Every Day". Na sequência, três dos seus frutos prediletos na estrada atualmente - e colhidos na safra mais recente, o ótimo álbum "The Night Siren" (2017". "Behind the Smoke, por exemplo, é disparado um dos melhores temas que já compôs (veja o clipe AQUI). Os orientalismos alternados com peso, o vocal seguro do guitarrista, somado a recortes instrumentais onde guitarra e teclados se enredam numa sinfonia metal, fazem do tema um dos grandes momentos da apresentação. A instrumentais "El Nino" também bebe em fonte semelhante, com destaque para a atuação  do baterista Gary O' Toole, responsável ainda por ótimos vocais de apoio ao longo da apresentação. De igual identidade, como se permanecêssemos em solo marroquino, o rock e os orientalismos prosseguem em "In The Skeleton Galery", quando Rob Townsend mostra seu talento ao saxofone, além de ainda atuar como flautista, tecladista e percussionista.  Já Steve Hackett tira as mãos da cordas de seu instrumento por alguns instantes para sacar do bolso uma harmônica diatônica e mostrar que o blues também está impregnado de leve em sua genética.

Foto: Camila Gonçalves

Quando o GTR é invocado, supergrupo que Hackett montou ao lado de Steve Howe do Yes, "When the Heart Rules the Mind" é a canção escolhida para remontar o espírito das rock songs que transitaram pelas FMs nos anos 1980. Se "Icarus Ascending" me sugere que chegou o momento de buscar uma bebida para arejar a garganta, a fantasmagórica "Shadow of the Hierophant" parece ser formada da mesma cepa de canções ancestrais europeias, cenário perfeito para o rock progressivo e para recolher as cortinas da primeira parte do espetáculo.           

Foto (Sansung J5): Camila Gonçalves

























É quando o Genesis entra no set. É também o momento do vocalista Nad Sylvan, não apenas uma voz que reprisa a forma de Peter Gabriel interpretar as canções que ajudou a compor, ele se porta como um autêntico performer, um ator advindo do Vaudeville, ou dependendo do ponto de vista, a mistura de vários cantores em um. Da maneira cênica como toca a pandeirola, ao olhar congelado num ponto invisível, sua androgenia e movimentos corporais nos convencem dessa atuação. "Nédi, Nédi!!", um fã que nunca abaixa os braços estraga todas minhas fotos e grita ao mundo sua admiração pelo vocalista. Em "Dancing With the Moonlit Knight" entra em pauta um dos álbuns favoritos dos fãs do Genesis - "Selling England by the Pound". Logo depois, Sylvan emula Phil Collins em "One for the Wine", uma música de transição nas apresentações do Genesis em 1977 no Brasil, apresentada na época como novidade no set. Em "Inside and Out", um dos melhores momentos dessa segunda parte, Jonas Reingold toca um instrumento de dois braços que o coloca na posição de acumular funções como baixista e guitarrista base, dependendo da circunstância e necessidade.   

Luz direta no tecladista Roger King, um dos protagonistas nessa mudança de humores e ambiência com o repertório do Genesis. "The Fountain of Saumacis", tema que fecha o álbum "Nursery Cryme", é remontado como uma suíte perdida no tempo, uma peça perfeita que ilustra o quão merecido foi para o grupo inglês ter rompido a fronteira do anonimato o adentrado de forma triunfal a primeira divisão do rock internacional, e consequentemente, ser reconhecido como uma das agremiações mais respeitadas do gênero. 

Foto: Camila Gonçalves
A seguir, algumas sínteses do prog rock em "Firth of Fifty" - instrumentos em uníssono, dinâmicas alternadas, a lembrança do erudito sobreposto a energia dos riffs de Hackett, somados a leveza da interpretação de Nad Sylvan, além da suavidade a modular os instrumentos de sopro, melodias que nos fazem fechar os olhos e lembrar o quanto o rock já viveu dias melhores. Esse sentimento persiste em "The Musical Box", um dos melhores takes de Sylvan no palco, postura inicial de boneco de cera impassível, para depois reagir como um fantoche manipulado por títeres invisíveis. "Um profissional versátil. Sabe muito bem dosar a interpretação (necessária para qualquer vocalista de banda progressiva) com vocais que lembram (e muito) as vozes do Peter Gabriel e Phil Collins. Ou seja. Ideal para o posto onde está", conclui o jornalista Lúcio Brancato.

Foto: Lúcio Brancato
Chegando ao final das ações, Hackett surge com seu violão de 12 cordas em "Super's Ready", quando a memória de Peter Gabriel sobrepõe a realidade e materializo aquele maluco cantando e se contorcendo no palco. No auge de sua força criativa, enquanto esteve no Genesis, Gabriel era imbatível. É o que dirão todas as viúvas que ainda derramam lágrimas após décadas de sua saída... Mas Hackett está lá, guardião de todo esse legado. Após um breve apagar de luzes, "Los Endos" é o coringa em forma de bis, tema que nos nos dá uma última dose de toda essa gama de emoções encapsuladas em 2h30 de apresentação.

Após assistir ao vivo Steve Hackett e banda no espetáculo "Genesis Revisited, Solo Gems & GTR 2018 Tour de Force", sinto-me como se tivesse renovado minha carteirinha Progger. "We are the  Proggers", como diz o amigo Lúcio. Sim, todos nós - ele, eu, Paulo, Vânia, Lauro, e tantos outros, assim como Alan Garcia, músico que viajou oito horas pra assistir o espetáculo: "Era um sonho ver esse show e repertório", reforça o morador de São Luiz Gonzaga,  nas Missões. Todos nós, sócios remidos do clube, passaportes atualizados e sorrisos largos na saída do Araújo. Próximo encontro Progger: CARL PALMER'S ELP LEGACY. Garanta seu tíquete AQUI

Grings - Tours, Produções e Eventos agradece a Eduardo Elias (Branco Produções), pela assessoria, suporte e credenciamento. 

Setlist SH PoA

I - Solo Gems & GTR

Please Don't Touch  
Every Day 
Behind the Smoke 
El Niño  
In the Skeleton Gallery 
When the Heart Rules the Mind 
Icarus Ascending
Shadow of the Hierophant 

II - Genesis 

Dancing With the Moonlit Knight 
One for the Vine 
Inside and Out
The Fountain of Salmacis 
Firth Of Fifth 
The Musical Box
Supper's Ready

Bis

Los Endos 

Veja mais fotos de Camila Gonçalves.

Foto: Camila Gonçalves


Foto: Camila Gonçalves


Foto: Camila Gonçalves

Foto: Camila Gonçalves



Foto: Camila Gonçalves (Sansung J5)

Um comentário:

  1. Maravilhoso relato de um show histórico! Parabéns pelon preciosismo Mr Grings.

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