Foto: Cristiano Radtke (iPhone 4s) |
Review e fotos Cristiano Radtke
Como líder do Talking Heads, David Byrne deixou seu nome na história do rock. Em oito álbuns lançados, o autor de hits absolutos como “And She Was” e “Psycho Kiler”, também colocou no mercado onze discos solo, sendo que o mais recente "American Utopia", foi lançado há poucos dias. Byrne ainda escreveu nove livros, incluindo "Diários de Bicicleta" (2009), que o tornou reconhecido como ativista das bikes. Inclusive, no dia do show na Capital gaúcha, o baixista Bobby Wooten postou uma foto dele e de David passeando de bicicleta pela orla do Guaíba. Vinda de Buenos Aires, a “David Byrne: American Utopia World Tour” chega a Porto Alegre como parte dos side shows do Lollapalooza Brasil, concertos mais intimistas fora do palco principal do evento em São Paulo. E se alguém imagina ver um show de grandes sucessos do Talking Heads, o andar da carruagem revelaria uma outra jornada...
Antes do show principal, as apresentações de abertura ficaram a cargo de Antonio Villeroy (conhecido cantautor gaúcho) e Karina Zeviani (ainda não tão conhecida no Brasil apesar de ter uma sólida carreira internacional, com participações em grupos como Nouvelle Vague e Thievery Corporation). Ao terminar sua ótima participação, Karina avisa ao público que o 'mestre David Byrne', de acordo com suas próprias palavras, em seguida faria seu show e que estava emocionante, segundo ela, que disse ter assistido à passagem de som e ficado arrepiada com o que viu.
Foto: Cristiano Radtke |
Alguns minutos depois, uma surpresa: em vez de vermos instrumentos, amplificadores ou microfones no palco, que é extremamente minimalista, rodeado de cortinas formadas por correntes de ferro, vemos ao centro apenas uma cadeira e uma mesa simples, em cima da qual repousa a réplica de um cérebro.
Minutos depois entra Byrne, elegantemente vestido com um terno cinza e camisa da mesma cor, com os pés descalços, e senta-se à mesa começando o show com “Here”, faixa que encerra seu mais novo disco, o bom “American Utopia”, enquanto a banda toca atrás das cortinas de ferro, dando início a um dos shows mais incomuns já vistos no Pepsi .
A partir de “Lazy” a banda com 11 integrantes entra aos poucos no palco, um por um e vestidos de maneira idêntica a Byrne. Em vez de um kit de bateria tocado por apenas um músico, o que se vê são seis percussionistas no palco, cada um com uma peça de bateria presa por um suporte encaixado ao corpo, assim como o tecladista, o que lhes dá total liberdade de movimentos. Isso permite, por exemplo, que eles deixem Byrne sozinho no palco durante “Doing the Right Thing” enquanto tocam atrás da cortina, com seus instrumentos à mostra, e até que eles simulem uma partida de futebol enquanto tocam “The Great Curve”. Um curiosidade: entre os percussionistas está brasileiro Mauro Refosco, músico formado pela UFSM e que também toca nos tours com o Red Hot Chili Peppers (ele se apresenta com o RHCP nesta sexta-feira em São Paulo).
Foto: Cristiano Radtke |
Pode-se dizer que mais do que um simples show, o que o público assistiu foi a uma verdadeira instalação artística, em que os efeitos de luz e a movimentação da banda no palco mudavam a todo instante, criando um incrível efeito visual que combinava perfeitamente com cada música tocada. Em “I Should Watch TV”, por exemplo, a banda se posiciona completamente à esquerda do palco, enquanto Byrne está no extremo oposto parado em frente à cortina de ferro, por trás da qual a iluminação é feita de modo a dar um efeito semelhante à luz irradiada de uma TV.
Byrne já havia declarado não se prender ao passado (leia entrevista), e das vinte e uma músicas do setlist, sete vêm de seu disco novo, oito são da carreira dos Talking Heads, e as outras seis passeiam entre covers e outros projetos de David Byrne, como “Toe Jam”, composta por ele e creditada à The Brighton Port Authority, colaboração entre ele e Dizzee Rascal.
Apesar de alguns insistentes pedidos para que ele tocasse “Psycho Killer”, uma das músicas mais conhecidas dos Talking Heads, os hits da banda se resumem nesse show a “Once in a Lifetime” e “Burning Down the House”, provando mais uma vez a inquietação do músico escocês.
Foto: Cristiano Radtke |
Antes de tocar a última música do show, “Hell You Halmbout” (cuja versão original é de Janelle Monáe), Byrne avisa que fez uma releitura especial para os shows no Brasil, e logo percebemos o porquê. Na versão original, os nomes de vários negros norte-americanos que foram assassinados por policiais ou por preconceito racial são citados ao longo da canção. Na versão de Byrne, são citados os nomes de ativistas e outros brasileiros assassinados, com destaque para Marielle Franco (vereadora recentemente executada no RJ), o que motiva aplausos gerais da plateia.
Num momento turbulento em que muitos artistas daqui não assumem posição alguma, procurando se distanciar dos acontecimentos, Byrne merece todos os elogios possíveis ao mostrar que está antenado com o que acontece no Brasil e prova que é possível utilizar sua arte para fazer uma manifestação política, sem cair no lugar comum que tais discussões costumam gerar.
Antes de vir ao país, Byrne declarou em entrevista estar ciente da “bagunça completa” no Brasil (ele tem bons informantes, pois três músicos de sua banda são brasileiros), causada pela corrupção, e disse ter fé nas “pessoas que fazem coisas incríveis”. E Byrne é uma delas. O que se viu em Porto Alegre nessa noite no Pepsi on Stage foi mais do que um simples show: foi uma verdadeira e instigante obra de arte, que as pessoas que tiveram a oportunidade de assistir jamais irão esquecer. Nossos agradecimentos a Jéssica Barcellos (Agência Cigana) pelo suporte e credenciamento.
Setlist David Byrne Porto Alegre:
Here
Lazy
I Zimbra
Slippery People
I Should Watch TV
Dog's Mind
Everybody's Coming to My House
This Must Be the Place (Naive Melody)
Once in a Lifetime
Doing the Right Thing
Toe Jam
Born Under Punches (The Heat Goes On)
I Dance Like This
Bullet
Every Day Is a Miracle
Like Humans Do
Blind
Burning Down the House
Bis 1:
Dancing Together
The Great Curve
Bis 2:
Hell You Talmbout
Veja dois trechos do show. Captação: Lúcio Brancato.
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