DEEP PURPLE - PORTO ALEGRE, 15 DE NOVEMBRO DE 2014
Fotos: Fabiano Dallmeyer
Texto Márcio Grings Fotos Fabiano Dallmeyer Em 1984, o Deep Purple voltava à ativa depois de uma
parada de oito anos. O disco que marcou esse retorno foi “Perfect Strangers”, e
eu, enquanto moleque de 14 anos, pude acompanhar esse lançamento em Santa
Maria, cidade onde cresci. Só que nos anos 1980, numa cidade do interior do RS, apesar de termos boas lojas na City, para qualquer iniciante no mundo do rock, o terreno era bem mais inóspito que nos dias atuais.
Naquele tempo, já possuía na minha prateleira dois LPs do Purple: “Fireball” e
“Machine Head”, e aquela espera por um material novo me consumia. E o pior: não
encontrava o disco à venda. Até que depois de girar em todos os lugares
possíveis, finalmente achei uma fita cassete do álbum na extinta Loja Incosul
da Rua do Acampamento, bem no centro da cidade.
Fotos: Fabiano Dallmeyer
Se naqueles dias alguém me dissesse que eu os veria
frente a frente tocando uma música como “Perfect Strangers”, eu juro que não
acreditaria. Por isso, assistir uma banda como o Purple ao vivo, bem de perto
como aconteceu nesse último sábado (15), num local fenomenal como o Auditório
Araújo Vianna, é como se eu pudesse resgatar do meu próprio passado aquele
garoto entusiasmado e inocente que um dia eu fui.
O SHOW - 20h e 57 minutos, ao som de “Mars, the
Bringer of War”, tema do compositor inglês Gustav Holst, somos avisados que a
quinta passagem do grupo na capital gaúcha, está prestes a começar. Pra começo
de conversa, temos três integrantes da formação clássica da banda no palco. Se
Ian Gillan não tem mais a potência vocal dos velhos tempos, o vocalista usa
muito bem os atalhos para cantar temas como “Highway Star”, chave que promove o
tilintar da ficha caindo: “sim, você está num show do Deep Purple!”. E as
saídas estratégicas do palco ou o posicionamento no lado de trás dos holofotes
não passa de uma de suas habituais características de atuação ao longo da
trajetória do grupo. Ele entra e sai de cena a medida que o instrumental o
avisa que o pandeiro e o mini gongo podem entrar em ação.
Fotos: Fabiano Dallmeyer
GLOVER - Roger Glover não foi o mais técnico dos
baixistas a passar pelo grupo, mas sem dúvida, é um dos músicos que mais casou
com a concepção do gênero. “Into the Fire”, possui traços característicos de
uma sonoridade que ajudou a forjar o som pesado, aliando simplicidade, peso e
competência para segurar uma das cozinhas rítmicas mais celebradas do hard
rock.
Fotos: Fabiano Dallmeyer
PAICE - Ian Paice, desde sempre, é um dos meus
bateristas favoritos, e o peso dos anos parece não ter causado nenhum dano ao
veterano. Seu desempenho compenetrado e a forma característica de tocar (que
conhecemos de dezenas de vídeos) podem ser facilmente identificados em “Hard
Lovin’ Man”. E se existem solos de bateria nos shows de rock, como vimos em
“The Mule”, é porque caras como Bonzo e Paice colocaram suas digitais nesse
recorte dentro dos concertos de rock.
“NOW WHAT?!” NO SET - Ao som de “Strange Kind
Woman”, olho para trás e percebo que o Araújo Vianna está completamente lotado.
Praticamente ninguém ocupa os assentos, pois grande parte das cerca de 3.500
pessoas presentes assistem ao show em pé. Afinal, a noite é de festa, ou não é?
Se muitos julgam que o Purple é uma banda que apenas
faz cover de si, canções recentes como “Vincent Price” e “Uncommon Man”
claramente mostram que o grupo não tem medo da reinvenção, isso mesmo após mais
de quatro décadas de estrada. Inclusive, “Hell to Pay”, faixa que fecha a
trinca de escolhidas para figurar no setlist de “Now What?!”, álbum lançado em
2013, é uma espécie de hit instantâneo que coloca a massa pra cantar.
Foto: Fabiano Dallmeyer
MORSE - E eis que nos deparamos com Steve Morse. O
guitarrista norte-americano que entrou na banda em 1994, em substituição a
Richie Blackmore, toca os riffs de seu antecessor com reverência e
irreverência. Na verdade, da mesma forma em que Morse reprisa, ele também
desconstrói as frases manjadas de Blackmore, como em “Smoke on the Water”,
fazendo dessa uma de suas marcas registradas que revitalizam o Purple a cada
nova noite. Em anexo ainda ouvimos temas do músico no grupo como “The
Well-Dressed Guitar” e “Contact Lost”, novas tintas rejuvenescedoras propostas
através de sua incursão no time.
Foto: Fabiano Dallmeyer
AIREY - E que falar do homem que substitui Jon Lord?
Don Airey já tocou com Ozzy Osbourne, Dio e dezenas de outros gigantes do
gênero. Com doze anos de Purple, Airey é sem dúvida uma dos responsáveis pela
massa sonora que vaza do palco. Em seus solos, revisita parte da sua própria
trajetória como músico. É o que acontece em “Lazy”, quando reprisa a intro de
“Mr Crowley”, clássico de Ozzy, ou até mesmo ao reverenciar o Rio Grande do
Sul. Sim, quando alguém contar que o tecladista executou o hino dos gaúchos antes de “Perfect Strangers”,
pode dizer que isso realmente aconteceu.
Foto: Fabiano Dallmeyer
No bis, “Goin’ Down” de Freddie King é miscigenada
com a releitura de “Hush”, de Billy Joe Royal. Infelizmente, bons sonhos tem
hora pra acabar, e “Black Night” ganha o coro reverencial da audiência, além de
citações de Morse a “How Many More Times” do Led Zeppelin e “Third Stone From
the Sun”, de Jimi Hendrix.
10h 50 min. Finish.
HARDEIRA - Quem toca rock na noite santa-mariense
conhece um famoso bordão dos músicos locais: “compromisso com a hardeira”, uma
onomatopeia de “hard”, de hard rock. Isso na verdade não passa de uma
justificativa dessa rapaziada em afirmar de que todo o modo, nos bons e maus
momentos, o rock and roll nunca será abandonado. A expressão também faz
referência a um estilo de vida que pode oscilar na corda bamba, e assim, muitas
vezes declinando a deslizes e excessos. Todavia, nada de desistir, meu
caro! E o Deep Purple talvez seja uma
das poucas bandas dos velhos tempos que ainda firma efetivamente esse
compromisso com o gênero, e isso de uma das formas mais genuínas e relevantes.
Eles são verdadeiros heróis da música.
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