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quinta-feira, 20 de março de 2014

JOAN BAEZ - PORTO ALEGRE, 19 DE MARÇO DE 2014

Fotos: divulgação FB
Por Márcio Grings

Em uma das cenas iniciais do filme “Dança com Lobos” (1990), intrigado por um pedido feito pelo Tenente John Dunbar (Kevin Costner), o Major Frambrough (Maury Chaykin) demonstra incompreensão pelo estranho desejo do subordinado. O oficial superior pergunta ao Tentente qual seria o motivo pelo qual ele quer ser transferido para um perigoso posto mais avançado da Cavalaria, milhas e milhas distante da civilização. Dunbar responde com convicção:
“Quero ver o oeste, antes que ele desapareça”.
No filme, consternado com a resposta, o Major meneia a cabeça e parece não entender esse desejo. Entendo perfeitamente sobre o que move o Tenente Dumbar se refere...
Esse é o sentimento em grande parte das vezes que viajo quatro horas de Santa Maria até Porto Alegre (oito horas ida e volta, é claro) no intuito de assistir apresentações de nomes como Eric Clapton, Bob Dylan, Roger Waters, Robert Plant, Buddy Guy, Elton John, entre outros grandes shows que passaram pela capital gaúcha nos últimos anos. Daqui algum tempo, toda essa turma definitivamente terá partido dos palcos. Restarão apenas, os discos, os vídeos, as canções e as lembranças de quem os viu. No show dessa última quarta-feira (19), no auditório Araújo Vianna, na Capital gaúcha, esse estranho déjà vu voltou à baila.  
Joan Baez, 73 anos num corpinho de uma mulher no mínimo vinte anos mais nova, encanta o público gaúcho com sua vitalidade, talento, cordialidade, carisma e o mais importante: voz e repertório feito sob medida para arrebatar a plateia de quase três mil pessoas. A abertura foi com “God is God”, uma belíssima canção de Steve Earle.
Eu acredito em profecias/ Algumas pessoas veem as coisas que as outras não conseguem enxergar/ E, de vez em quando, elas passam seus segredos para nós. E eu acredito em milagres/ Algo sagrado queima em cada arbusto e árvore/ Todos podemos aprender as canções que os anjos nos sibilam.”
Nada mais bonito para começar os trabalhos.
“Farewell Angelina” e “It’s All Over Now (Baby Blue)”, duas músicas de despedida compostas pelo ex-namorado Bob Dylan, estaõ entre os momentos mais emocionantes do repertório. Reza a lenda que Dylan teve Joan como inspiração quando as compôs. Durante a execução de “Baby Blue”, vindo detrás do auditório, um homem atravessa lentamente o corredor central, e sena-se a poucos metros do palco, entre as cadeiras da primeira fila da audiência. Só quando a música acaba ele retorna para o seu lugar mais ao fundo do Araújo Vianna. Esse homem sou eu.
Preocupada em se fazer entendida pelo público, muitas vezes, Joan conta as histórias de suas canções em português. Quando canta “Sweet Low, Sweet Chariot” e “Joe Hill”, fez questão de mencionar que as tocou no Festival de Woodstock. Na época, casada com o ativista David Harris, estava grávida de Gabriel, que atualmente a acompanha pelo mundo como percussionista de sua banda. Dirk Powell, o outro músico no palco, alterna atuação no banjo, violão, piano, baixo acústico e acordeom. Outro destaque é a assistente de palco Grace Stumberg, que além de assessorar Joan nas trocas de violões e outras necessidades, eventualmente faz vocal de apoio para sua Chefe, como no caso da belíssima “Just The Way You Are”. E esse clima de simplicidade impera durante cerca 1h20min de apresentação.
Outra nuança do espetáculo foi o repertório de músicas em português como “Cálice”, de Chico Buarque. Em “Pra não dizer que falei das flores” de Geraldo Vandré, a cantora visivelmente se emociona ao ver o publico cantando o refrão em uníssono. Particularmente, fico encantado com a versão folk/country de “O Cangaceiro” (ou Mulher Rendeira), tema de domínio público que os estudiosos dizem que Lampião escreveu para sua avó. Quem não se lembra dessa letra:
“Olé, Mulher Rendeira / Olé mulhé rendá / Tu me ensina a fazer renda / eu te ensino a namorá”.
Emocionante ouvir a canção folclórica “Lilly of The West” (também denominada como “Flora”), música que circulou por diversos artistas, mas que encontra na voz de Joan aquilo que podemos chamar de versão definitiva. “House of Rising Sun”, número folclórico que ficou conhecido com Dave Van Ronk, Bob Dylan e na versão elétrica do Animals, volta às origens primitivas numa releitura acústico/introspectiva de Joan e banda. “Deportee (Plane Wreck at Los Gatos)”, canção de protesto escrita pelo folk singer Woody Guthrie, ganha um belo embalo de valsa caipira. Joan aproveita e tira Dirk Powell para dançar — o público delira.
O repertório latino, outra marca de sua carreira, conta com canções como “La Llorona”, “El Preso Numero Nueve” e “Gracias a La Vida”, música de Violeta Parra que parece amalgamar a alma latina da norte-americana a suas raízes mexicanas.
Na imagem abaixo, eis o setlist previsto (JB mudou de ideia e trocou alguns dos temas).  Confira o set executado no link


O único ponto negativo da noite passa pelo encerramento com “Imagine”. Poderia ser “Blowin in the Wind”, “Diamonds and Rust” ou “The Night They Drove Old Dixie Down”, no entanto, ouvimos a canção de John Lennon que acaba por marcar o desfecho de um show quase perfeito. No dispersar do público, ainda desapontado por não ter ouvido “Diamonds And Rust”, alguns amigos cruzam eufóricos por mim com seus autógrafos em LPs, CDs e ingressos. Sempre solícita - Joan Baez atende aos fãs no backstage.
Ela estava com a mesma calça jeans, lenço vermelho, camisa preta e tinha os pés descalços. Quem disse que há necessidade de existir barreira entre o público e o artista? No caso dessa musa encantadora que enfeitiçou o publico gaúcho na noite dessa quarta-feira, nunca houve.
Da capital, Joan parte para shows no Rio, São Paulo e Recife. Os ingressos já estão esgotados. Bye, bye, Joan... Que venha outono…

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