|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
|
Por Márcio Grings Fotos: Zé Carlos de Andrade |
Cidade mais populosa do estado de Illinois, nos Estados Unidos, Chicago é também uma das mecas do blues, jazz e da música negra norte-americana. Quando o blues tomou conta das ruas da cidade em meados do Século XX, em busca de um cenário repleto de oportunidades artísticas, músicos locais encorajaram os imigrantes sulistas a trocar o violão por guitarras elétricas. Completando o caldo, as letras das canções começaram a refletir a vida dos afro-americanos durante aquele período, transformando essa cultura em patrimônio internacional da negritude. Assim o blues sofreria uma de suas grandes transformações, forjando dezenas de instrumentistas, cantores e compositores, entre eles nomes como Muddy Waters, chamado de "Pai do Chicago blues". Tudo isso influenciaria a chamada Invasão Britânica no início dos anos 1960, mas essa já é outra história...
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
Ao raiar do século XXI, as regras do jogo mudaram, a própria música negra se redefiniu, contudo Chicago continua sendo reconhecida além do epíteto de berço do blues e do jazz, pois ressignificou essa ligação primordial, estendendo seus laços com o funk e o soul (até mesmo o RAP), algumas das vertentes exploradas na música de
Omar Coleman. Nascido nesse 'berço de ouro', contudo o cantor e gaitista de 51 anos amplia territórios, pois se conecta na mesma prateleira de artistas do blues/ soul revival como Charles Bradley, Sharon Jones & The Dap-Kings e Gary Clark Jr. De todo o modo, esqueça qualquer comparação — basta ele emitir uma frase no microfone e fica fácil perceber sua qualidade.
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
O músico norte-americano se apresentou nesta quinta-feira (22) no Sgt. Pepper's, em Porto Alegre, sua segunda vez na capital gaúcha, em mais uma promoção do
Clube do Blues. Na banda base que acompanhou, nomes conhecidos do blues nacional:
Igor Prado (guitarra),
Luciano Leães (teclados),
Edu Meirelles (baixo) e
Ronie Martinez (baixo), quarteto que começa o show em alta rotação — ainda sem a atração principal — ao som de “
Something You Got”, uma tema de Chris Kenner, cantor e compositor de R&B baseado em Nova Orleans (que morreu em 1976, com apenas 46 anos), e uma daquelas canções que já ouvimos em dezenas de versões, mas que sempre cai muito bem como abre-alas para uma apresentação desse calibre. Lembre-se, temos um embaixador da música de New Orleans em Porto Alegre, ele se chama Luciano Leães (o pianista gravará dois álbuns por lá em 2024), portanto, o show começa nesse encontro entre Chicago e NOLA. Outro detalhe significativo: essa formação já se reuniu diversas vezes ao longo dos anos, sempre dando suporte para vários nomes da música norte-americana que passaram pelo Brasil: Willie Walker, Whitney Shay, Cerissa McQueen, entre outros, uma garantia com selo de qualidade, além da certeza de ouvirmos improsivos e um sabor diferente em cada palco por onde passam.
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
Virando a página logo no início, Omar Coleman começa os trabalhos com uma das faixas que o definem, “Born and Raised”, música que batiza seu álbum de 2015, lançado pelo tradicional selo Delmark. Se estivéssemos apenas vendo um foto de Coleman (coloque o botão play no mute), vestido todo de preto, óculos escuros e com um boné do Chicago Bulls, é mais provável que qualquer desavisado o relacionasse com um artista do hip-hop, pois, seja pelo despojamento ou postura no palco, o cantor e instrumentista se distancia dos padrões pré-estabelecidos do blues, o que declaro como outra de suas virtudes. Omar tem o mesmo timbre de voz dos grandes nomes do gênero, assim como a harmônica entre seus lábios materializa mais a simplicidade do que o virtuosismo, soando muitas vezes como um naipe de sopros com carimbo soul. Quando toca a gaita de boca, a harmonia parece ser mais importante do que os solos, algo que definitivamente me conquista num instrumentista. Às vezes preferem tocar a panderola e deixar a harmônica no bolso, balançando ao ritmo da música e batendo o instrumento contra seu corpo.
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
No repertório, mesclas de clássicos do soul sempre presentes na boca do povo — “Let’s Stay Together” e “Take Me to the River” (Al Green); “Stand By Me” (Ben. E. King); “My Girl” (Smokey Robinson) e “Hey Pocky A-Way” (The Metters), essa com participação do saxofonista Ronaldo Pereira). Em “Mustang Sally” (Mack Rice), os mais atentos perceberam uma breve citação no riff da guitarra de Igor Prado a "Smell Like a Teen Spirit", o que revela o espírito de mistura e diversão envolvido entre os músicos. No comando das operações, Maestro Omar muitas vezes dita os breaks e estende os finais das versões, regendo os instrumentistas e determinando quando quer ouvir os solos de Igor Prado ou de Luciano Leães, uma promessa de ineditismos em cada releitura.
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
O blues também deu o ar da graça na sua releitura de “Chicken Heads” (Bobby Rush) e numa das canções símbolo do gênero em todo mundo, “Sweet Home Chicago” (Robert Johnson), um tema que não necessariamente fala sobre o destino, mas principalmente sobre a jornada. E quando pensamos na jornada que nos trouxe ao atual status da música mundial, ainda é incrível pensar que, mesmo com a grande mídia disponibilizando cada vez menos espaço para o blues, o funk (americano) e o soul, às vezes temos o privilégio de assistir artistas desse calibre ao vivo e tão de perto. Assim, a cada novo encontro no Sgt. Pepper's, revitalizamos uma sensação de contentamento e conforto, como se sempre estivéssemos em casa no Clube do Blues, como de fato estamos.
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
|
Foto: Zé Carlos de Andrade |
Nenhum comentário:
Postar um comentário