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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

NICK CAVE - SÃO PAULO, 14 DE OUTUBRO DE 2018

Foto: Edi Fortini
Por Cristiano Radtke Fotos Edi Fortini

 “Todos os artistas são decepcionantes ao vivo após assistirmos Nick Cave”. Esse poderia ser o título desta resenha, mas na verdade já foi utilizado em um artigo que a revista britânica GQ publicou em seu site em junho deste ano, se referindo a um show que ele fez no Victoria Park londrino.

Veja o álbum de fotos do show de Nick Cave no Espaço das Américas - SP. Por Edi Fortini   

Apoteótico, catártico, epifânico, inesquecível e avassalador foram alguns dos adjetivos que foram ouvidos ao final do show de Nick Cave and the Bad Seeds no Espaço das Américas em São Paulo, na noite do último domingo (14), corroborando a manchete acima citada, utilizada pela revista inglesa. A apresentação fez parte da turnê latino-americana do excelente disco Skeleton Tree, lançado em 2016, e foi o único da banda no Brasil, após ter passado pela Cidade do México, Santiago, Montevidéu e Buenos Aires. 

Foto: Edi Fortini
Aos 61 anos, Nick Cave é um dos mais prolíficos artistas de sua geração, com uma carreira sólida que inclui também livros (o mais recente, “The Sick Bag Song”, espécie de diário poético de sua turnê nos EUA em 2015 foi lançado oficialmente no Brasil na noite do show), participações em filmes (Asas do Desejo, de Wim Wenders e O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford são alguns deles) e parcerias e duetos com nomes como Marianne Faithfull, PJ Harvey (com quem manteve um relacionamento entre 1996 e 1997) e Johnny Cash, além de compor trilhas sonoras com seu mais fiel escudeiro dentre os atuais Bad Seeds, banda que o acompanha há mais de 30 anos: Warren Ellis, com quem ele compartilha a autoria das trilhas sonoras de filmes como "The Proposition" e "Hell or High Water". 

Foto: Edi Fortini
Após mais de 20 anos sem vir ao Brasil (uma das últimas vezes em que pisou em um palco brasileiro foi em Porto Alegre, em 1993, o show na capital paulista marca um retorno à cidade que foi seu lar no começo dos anos 90 (saiba mais AQUI), e foi tratado merecidamente como um dos grandes acontecimentos do ano. Às 18h, abertos os portões do Espaço das Américas, os ansiosos fãs que formavam uma grande fila desde meados da tarde correram para poder ficar mais próximos ao palco, pois é conhecida a interação de Nick com esse público mais aguerrido, que não poupa esforços para estar mais próximo a seu ídolo. 

Foto: Edi Fortini
À medida em que se aproxima o começo do show, a música ambiente dá lugar a uma bela versão de "Streets of Laredo" e no telão central surge uma foto de Conway Savage, ex-tecladista dos Bad Seeds e recentemente falecido. Quando soube da morte do amigo, Nick postou uma bela história em seu site oficial (leia AQUI), justificando a escolha dessa música como tributo a Conway antes do show: “bêbados, por volta das 4 da manhã no bar de um hotel em Colônia, Conway cantou 'Streets of Laredo' ao piano para nós em seu doce e melancólico estilo, e o mundo parou por um instante”. Poucos minutos depois, as luzes se apagam e a banda entra no palco sem qualquer anúncio. 

Martyn Casey (baixo) Jim Sclavunos (percussão, bateria, vibrafone, piano) George Vjestica (guitarra e violão) Larry Mullins (bateria e percussão) Dave Sherman  (teclado e piano) tomam seus lugares e por último aparece Warren Ellis (violino, guitarra tenor, piano, sintetizadores e loops), que por ser talvez o membro mais conhecido da banda é o mais aplaudido deles, seguido de Nick Cave, que aparece pouco depois, elegantemente vestido com um terno preto e um sapato verniz preto, dando início ao show. 

Foto: Edi Fortini
Como de costume nesta turnê, Nick abriu com “Jesus Alone”, seguida de “Magneto”, ambas de seu último disco, "Skeleton Tree". Na verdade, os setlists de seus shows na América Latina são quase todos idênticos, com músicas pinçadas de seus principais discos e dando destaque às de "Skeleton Tree". A exceção surpreendente do show de São Paulo foi “Jack the Ripper”, que ainda não havia sido tocada neste ano. 

Ao vivo, as canções se transformam de tal maneira que o magnetismo exercido por Nick é impossível de passar despercebido e contagia de imediato o público, hipnotizado com sua performance, que por vezes parece emular Jim Morrison e em outras Elvis na fase Las Vegas, ora jogando o microfone longe ou chutando o pedestal, ora postando-se no palco como se estivesse possuído por todos os espíritos do mundo. É como se Nick estivesse exorcizando seus demônios interiores e ao mesmo tempo nos ajudasse a fazer o mesmo.  

Foto: Edi Fortini
Embora no palco Nick pareça estar às vezes em um mundo só seu, durante o show ele demonstra uma interação com o público poucas vezes vista em apresentações de outros artistas. Logo após “Do You Love Me?” (cujo clip original foi gravado em SP), Nick ouve uma fã chamá-lo, procura-a na plateia e pede para que ela se aproxime do palco para em seguida emendar com a frase com que ele habitualmente abre “From Her to Eternity”: “I wanna tell you ‘bout a girl”, empolgando o público." Em outro momento de interação, Nick assina a capa do LP "Tender Prey" para um fã que o segurava com um cartaz escrito “Nick sign”.

Levando em consideração que Nick não é muito afeito a manifestações políticas, a ponto de declarar em uma coletiva de imprensa dias antes do show em SP que “não tentamos resolver os problemas mundiais, eu deixo esse trabalho para o Roger Waters” (veja AQUI), o momento de incerteza por que passa o Brasil serviu para que um coro inicialmente tímido de “ele não!”, em princípio meio ignorado por Nick, que pareceu não dar muita atenção a isso, passasse aos poucos a dominar o show.  

Foto: Edi Fortini
Um coro exagerado por parte da plateia foi o pedido para que Nick tocasse “Foi na Cruz”, do disco "The Good Son", gravado no Brasil. Após insistentes pedidos, Nick fez uma tentativa frustrada, chegando a ser acompanhado pela banda por alguns segundos para em seguida interrompê-la e dizer que não lembrava da letra, para então emendar “The Ship Song”, do mesmo disco. Ainda assim, o coro de “Foi na Cruz” foi ouvido várias vezes depois disso. 

“Esta é uma oração para o Brasil”, anuncia Nick, antes de tocar "Into my Arms", canção emblemática de “Boatman’s Call”, um dos seus discos mais celebrados. Nessa altura, o show já estava praticamente na metade (foi a nona das vinte músicas do set) e a apresentação já havia sido tomada pelo forte viés político, marcado pelos gritos de “ele não!”, que se no começo do show eram ainda tímidos, no decorrer da noite ganharam força, surgindo não apenas entre uma música e outra mas também durante elas. 

Foto: Edi Fortini
Talvez por isso, o verso “eu acredito no amor” tenha soado de maneira extremamente significativa para o público, que o aplaudiu fervorosamente nesse momento, parecendo como se Nick estivesse se solidarizando com as expectativas de seus fãs. 

 O ápice desse momento político veio em “Weeping Song”, em que Nick desceu do palco e tal qual um Moisés cruzando o mar Vermelho, abriu caminho entre os fãs até chegar a um púlpito montado no meio da plateia, onde subiu e regeu o público, que o acompanhava nas palmas, mas chegando ao ponto de não apenas estimulá-los discretamente a gritar “ele não!” como também de participar brevemente do coro, para delírio dos fãs. VEJA 

Foto: Edi Fortini
Outra prova do magnetismo de Nick foi durante "Stagger Lee", em que aproximadamente 40 pessoas subiram ao palco. Se fosse com outro artista, talvez isso pudesse não acabar bem, mas o domínio que Nick tem sobre os convidados ao palco é tamanho que tudo transcorre de maneira normal, apesar da insistência de alguns fãs em tirar selfies com ele, que pede para que guardem seus celulares. Durante “Push the Sky Away”, a canção seguinte, os fãs permanecem no palco e Nick os rege assim como aconteceu com o coro original da versão de estúdio, cantado por crianças.  

As cerca de 8 mil pessoas presentes no Espaço das Américas testemunharam mais do que um simples show, mas um verdadeiro culto em que seu líder era Nick, de maneira quase messiânica, comportamento raras vezes visto entre os rockstars, e no qual apenas um grupo muito seleto poderia ser incluído.  

Foto: Edi Fortini
Após duas horas e meia de verdadeira catarse, Nick e os Bad Seeds saem do palco, encerrando um show mais que apoteótico. Pode-se afirmar sem sombra de dúvida que todos os presentes voltaram para suas casas reconfortados pelas palavras e pela empatia de Nick, com a esperança de um futuro menos sombrio. Se isso será conseguido, não sabemos, mas momentos como o dessa noite nos dão ainda mais forças para lutar. E saber que um dos melhores compositores e frontmen de todos os tempos está ao nosso lado torna tudo ainda melhor.  

Setlist

Jesus Alone (de Skeleton Tree)
Magneto (de Skeleton Tree) 
Higgs Boson Blues (de Push the Sky Away)
Do You Love Me? (de Let Love In)
From Her to Eternity (de From Her to Eternity)
Loverman (de Let Love In)
Red Right Hand (de Let Love In) 
The Ship Song (de The Good Son)
Into My Arms (de The Boatman’s Call)
Shoot Me Down (lado B de Bring it On)
Girl in Amber (de Skeleton Tree)
Tupelo (de The Firstborn is Dead)
Jubilee Street (de Push the Sky Away)
The Weeping Song (de The Good Son)
Stagger Lee (de Murder Ballads)
Push the Sky Away (de Push the Sky Away)

Bis:

City of Refuge (de Tender Prey)
The Mercy Seat (de Tender Prey)
Jack the Ripper (de Henry’s Dream)
Rings of Saturn (de Skeleton Tree)

Foto: Edi Fortini

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