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quarta-feira, 26 de abril de 2023

BRUCE DICKINSON, BAND AND ORCHESTRA CELEBRATING THE MUSIC OF JON LORD AND DEEP PURPLE — PORTO ALEGRE, 25 DE ABRIL DE 2023

| Foto: Douglas Fischer |
| Por Márcio Grings  Fotos: Douglas Fischer |

Acredito em artistas que se desafiam e saem do trilho. Shake, baby shake! No caso da 'ferrovia' por onde Bruce Dickinson (64) se movimenta há 40 anos (com alguns desvios de rota) — a bordo da besta apocalíptica que atende pelo nome de Iron Maiden — Bruce poderia seguir pelo resto de seus dias repetindo o mesmo roteiro, só apreciando a paisagem. Porém, ele resolveu escrever uma nova história. Assim, cá está o inglês com o pé na pista nesse incomum e apaixonante projeto chamado Bruce Dickinson, Band and Orchestra celebrating the music of Jon Lord and Deep Purple. Na verdade trata-se de uma reprise, mas não podemos denominá-la como um simples revival. O cantor do Maiden pega o mote de um dos grandes instrumentistas do rock, Jon Lord, tecladista do Deep Purple que morreu em 2012, e amplia essa ideia. É o que vemos aqui em Porto Alegre, com Bruce à frente da Orquestra de Câmara da Ulbra, sob a regência de Paul Mann, acompanhado de Kaitner Z Doka (guitarra), John O’Hara (teclados), Tanya O’Callaghan (baixo) e  Bernhard Welz (bateria). 

| Foto: Douglas Fischer |
“O que é exatamente? Bem, é sobre uma peça de música clássica de 45 minutos que foi escrita por Jon Lord envolvendo um grupo; neste caso, o Deep Purple“
, explicou Dickinson. O Purple gravou dois álbuns neste formato: "Concerto for Group and Orchestra" (1969), com Royal Philharmonic Orchestra, e "Concert With The London Symphony" (1999). “É um encontro entre uma banda de rock e uma orquestra. Eu sou apenas o cantor, isso é basicamente parte do show. No segundo ato, daí nós realmente deixamos nossos cabelos um pouco mais soltos. Há diversas interações entre os músicos, e então tocamos vários temas do Purple. E ainda fazemos um arranjo orquestral de ‘Jerusalem’ e ‘Tears Of The Dragon’".

Esse é o show que chega até Porto Alegre num local apropriado para tal: o Araújo Vianna. A casa recebe um ótimo público, mesmo com os Scorpions se apresentando no mesmo horário no outro lado da cidade, no Gigantinho —  leia review de Lúcio Brancato AQUI —, um bom público comparece ao auditório, e os fãs se mostram dispostos a celebrar junto a um dos vocalistas mais importantes do rock, interpretando o repertório de uma das bandas que inventou a cartilha do hard, tudo isso potencializado pelo verniz de uma orquestra.

| Foto: Douglas Fischer |
Às 21h20, ovacionado, Bruce sobe ao palco e conversa com o público, quando didaticamente explica a mecânica do espetáculo. Caso você não saiba, esse projeto era um desejo antigo de Dickinson, barrado pela morte de Lord em 2012, e reativado um pouco antes da pandemia, em 2019. O tecladista do Deep Purple idealizou essa interação entre banda e orquestra como comprovação de um ponto de vista alinhado entre o rock e o sinfônico. Assim, ao ouvirmos inicialmente as peças escritas por Jon Lord, já em "First Moviment (Moderato – Allegro)", é visível sua devoção pela música erudita. O que pode causar uma estranheza inicial para muitos, tipo: "Mas que raios de show é esse, afinal — onde está o rock and roll?", o espetáculo começa realmente com um concerto focado na orquestra. Para desespero de algumas pessoas, o diálogo dos músicos ligados ao rock no palco, é mínima nesse preâmbulo. Parte do público parece ligado enquanto alguns não compreendem a natureza encantadora dessa interação. À exemplo disso, o guitarrista Kaitner Z Doka fica sentado em frente a seu posto de trabalho e, em pé, Tanya O’Callaghan apenas balança levemente seu cabelo rastafári e o corpo apreciando a atuação da orquestra como uma voyer. Até que a banda apresenta armas e surge pontuando nuanças dessa peça, trazendo ênfases e fraseados impactantes, com destaque na guitarra e o clarinete. 

| Foto: Douglas Fischer |
Já em "
Second Moviment (Andante)", Bruce faz sua primeira participação, numa letra escrita por Ian Gillan: "Como eu posso enxergar se não há luz/ Como posso te entender se ouço apenas sussurros". Nessa linha do tempo na história do Purple, Gillan, um dos ídolos do vocalista do Iron Maiden, acabara de entrar no grupo, como substituto de Rod Evans, e essas são as primeiras linhas compostas por ele e gravadas pela sua nova banda em 1969. Bruce Dickinson canta com paixão esse tema que une duas músicas tocadas com arranjos ambíguos executados pela orquestra e pelo grupo, individualmente ou em conjunto. Há uma parte blues onde o órgão de John O’Hara, atual integrante do Jethro Tull, nos faz relembrar o estilo inconfundível de Jon Lord. 

No "Third Moviment (Vivace – Presto)", além do solo de bateria de Bernhard Welz, novamente temos a impressão que o restante dos músicos da banda estão apenas curtindo o espetáculo, assim como nós. Afora interações específicas, na verdade eles estão ligados nas partes em que atuam, entreolhando-se para ressurgirem como um potente verniz que se agarra nas explosões do erudito. Uma das marcas dessa primeira parte é justamente a equalização da orquestra acima da banda, me parecendo que o lado rock está propositalmente abaixo do sinfônico... o que irá cair por terra no bloco a seguir. 

| Foto: Douglas Fischer |
Após um intervalo de cerca de 20 minutos, para alegria dos fãs da carreira solo de Dickinson, ele saca duas pedradas. 
"Tears of the Dragon", de "Balls to Picasso" (1994), é possivelmente o grande sucesso do cantor fora do Maiden. A massa no Araújo mostra que fez o dever de casa e canta os versos em grande parte da música. "Jerusalem", de "Chemical Wedding" (1998), traz uma letra do poeta inglês Wiliam Blake, permanente figura de devoção no imaginário do vocalista. "Tragam-me o meu arco de ouro em chamas/ Tragam-me as minhas flechas do desejo/ Eu não irei dormir até que as nuvens despareçam". Britânica até a medula, essa é uma das músicas que fazem jus ao formato do projeto, pois há um perfeito enlace entre banda e orquestra. 

| Foto: Douglas Fischer |

"Pictures of Home" é uma daquelas músicas que revela o brilho eterno da arca dos tesouros do Deep Purple, justamente na formação MK2, àquela que fundamentou as bases do hard rock após sua aparição. A introdução, com uma delicada e triste orquestração, tem destaque na guitarra de Kaitner Z Doka, sobrepujada adiante pela eclosão da banda, com destaque para o solo de baixo da atual integrante do Whitesnake, Tanya O’Callaghan. "When a Blind Man Cries", uma canção lançada apenas como lado B em 1972, fruto das sessões do "Machine Head, é uma das pérolas resgatadas por Dickinson nesse projeto. 

| Foto: Douglas Fischer |
"Hush"
, música de Billy Joe Royall, até hoje tem status de momento catártico num show do Deep Purple. Porto Alegre não decepciona, pois a plateia segue junto no refrão, assim como John O’Hara solta chispas do teclado ao melhor estilo Jon Lord. O instrumentista saracoteia em frente as teclas com a ajuda dos dedos de Dickinson participando ativamente dessa bagunça. Já "Perfect Strangers" é uma espécie de 'canção entidade' (como diria meu parceiro no podcast Quando o Som Bate no Peito, o jornalista Romero Carvalho), soando como uma autêntica peça sinfônica hardrockqueana, com Bruce Dickinson a cantando como se fosse algo seu, da mesma forma que a plateia a entoa como um hino do amor incondicional ao rock and roll.   

Algo que está bom pode ficar melhor? Eis então que o cantor interpreta uma releitura de "Burn" pareada as grandes versões que qualquer banda ou artista um dia ousou fazer desse clássico da formação MK3 do Deep Purple. Bruce Dickinson ocupa o palco, caminha de um extremo até outro, pega a batuta e vira um espadachim que luta contra um oponente imaginário (cadê você Eddie?) e interage com o público soltando o bordão de sempre: "Scream for me, Porto Alegre!". Se alguém tinha dúvida, anote aí: sua garganta ainda funciona como uma turbina.  

| Foto: Douglas Fischer |
Bruce Dickinson, Band and Orchestra celebrating the music of Jon Lord and Deep Purple tem cara de projeto com rodagem curta, ou seja: quem viu, se contente. Quem não viu, pode chorar. Bruce parou tudo, abriu uma fenda no tempo e materializou o sonho de remontar esse projeto sonhado por anos. E assim embarcamos com ele nessa deliciosa viagem. Moraria nessa noite por um bom tempo

Agradecimento especial para Daniela Sangali (Opinião Produtora) pelo credenciamento, suporte e assessoria. 

Set 1

Concerto for Group and Orchestra, First Movement: Moderato - Allegro

Concerto for Group and Orchestra, Second Movement: Andante

Concerto for Group and Orchestra, Third Movement: Vivace - Presto

Set 2

Tears of the Dragon 

Jerusalem 

Pictures of Home

When a Blind Man Cries

Hush

Perfect Strangers

Set 3

Burn

Smoke on the Water

| Foto: Douglas Fischer |


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