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quarta-feira, 6 de março de 2013

ELTON JOHN - PORTO ALEGRE, 5 DE MARÇO DE 2013

Fotos: Fábio Codevilla
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| Review Márcio Grings Fotos Fábio Codevilla |

Faltam cerca de 2 horas para Elton John tocar o primeiro acorde no seu piano. A primeira pessoa de quem você se lembra ao pisar no tablado que cobre o gramado do Estádio do São José é de Miguel Varella. E por mais que vocês tenham perdido o contato, ele foi o homem que lhe apresentou Elton em sua melhor forma: a música que está nos discos lançados entre 1969 e 1975 – cada faixa, uma resenha; cada letra, um livro desvelado nessas conversas com seu amigo. Grato para sempre, Miguel. Muitos vinculam o músico inglês ao lado mais sórdido do pop, culpa de tanto sucesso, afinal, Elton emplacou dezenas de hits nas paradas e tocou em todas as estações de rádio AM/FM e o escambau. Aí você se pergunta: “Que mal há nisso?”. Os Beatles não fizeram o mesmo? Parem com essa ladainha, pois Elton John é merecedor de todo e qualquer láurea, pois ainda utiliza parte de sua fortuna para apoiar institutos beneficentes, além de atuar numa contínua militância por um mundo mais próximo de equidades.

Nessas duas horas que antecedem o início do espetáculo, você percebe que os fãs que vieram até aqui têm dissemelhanças, há milhares de rostos diferentes. Adolescentes, casais de todas as cores, veteranos e iniciantes, grande parte desse contingente está ali para encontrar o artista que celebra as quatro décadas do hit que o colocou no topo. A abertura do evento traz o pinista porto-alegrense Luciano Leães, um ás das teclas que certamente representa muito bem o talento de um músico local ligado ao piano. Sua atuação mescla-se aquilo que há de melhor no blues e no jazz, um assombro se imaginarmos que esse artista caminha entre nós. 

Às 21h10, Davey Johnstone começa a tocar sua guitarra até emendar um de seus melhores riffs. “The Bitch is Back” está na pista, e, após alguns segundos, a estrela principal surge. Elton John veste um casaco azul repleto de brilho e, ao virar de costas para a plateia, podemos ler “Madman Across the Water” bordado em sua roupa, em logotipia idêntica à da capa do LP lançado em 1971. E assim começa sua experiência com a turnê “40th Anniversary of the Rocket Man”.  Ele caminha até o piano, arreda o banquinho, senta-se, toca e finalmente canta a primeira frase. O Estádio do Zequinha estremece. Na vibrante “Bennie and the Jets”, sabemos que Elton John não mais se aventura nos falsetes da forma como cantava nos anos 1970, mesmo assim “Bennie” ainda é uma peça fundamental no setlist. A letra de Bernie Taupin  conta a história de um fictício grupo de glam rock, mas, nesta noite, direciona o holofote para os músicos que agora você vê, e entre eles lá está Nigel Olsson, baterista que começou a tocar com Elton em 1969.  

Foto: Fábio Codevilla


Você nunca tinha reparado de verdade em “Grey Seal”, faixa dois do lado B de “Goodbye Yellow Brick Road”, e aí você se julga um idiota por não ter identificado o clássico que ela é! E mesmo em um tom ou dois abaixo, ouvimos um cantor que se esforça para nos entregar o seu melhor. “Levon”, de “Madman Across the Water”, é uma balada, mas também possui a energia do rock'n'roll e representa o dégradé invocado pela amplitude dos grandes espaços.  Se Jesus, o filho de Levon , sonha em voar pelo espaço sideral com seu balão, na sua cabeça, a noite estrelada acima de você reproduz essa cena que o telão não mostra. “Tiny Dancer”, dedicada a todas as garotas da plateia, tornou-se um dos temas mais aguardados em suas apresentações. Culpa do cineasta Cameron Crowe, que a incluiu em “Almost Famous” (2000) . Quando o público reconhece os acordes iniciais, já sabemos que cada frase da história relatada por Bernie será cantada pelos fãs.
Foto: Fábio Codevilla


“Believe” é uma canção poderosa. A letra, conceitual na crença do amor como antídoto frente às maledicências da sociedade, possui uma incrível força melódica. Favorita de muitos, o público das primeiras fileiras reforça essa mensagem ao levantar cartazes com a frase “I believe in love”. Doce melancolia na sua cabeça que começa a girar como um carrossel, “Mona Lisas and the Mad Hatters”, outra das escolhidas para figurar em “Almost Famous”, dramatiza uma das cenas mais críticas de Penny Lane (Kate Hudson) no filme e, nesta noite, registra um polaroid catártico que rouba sua respiração: “And now I know / Spanish Harlem are not just pretty words to say” . “Philadelphia Freedom”, tributo ao som da Filadélfia e à tenista norte-americana Billie Jean King , encontra em seu refrão o reforço de um poderoso quarteto vocal — lá estão as irmãs Lisa e Rose Stone (integrantes do lendário Sly and the Family Stone), Táta Vega (Stevie Wonder, Michael Jackson) e Jean Witherspoon (Michael Jackson, Madonna).

Em “Candle in the Wind”, música que Elton dedicou primeiramente à Marylin Monroe e depois à Princesa Diana, cada acorde desenhado pelas mãos do contrabaixista Matt Bissonette (ELO, Ringo Starr) rivaliza com as batidas do seu coração. “Goodbye Yellow Brick Road” leva o público ao delírio, uma viagem direto até o epicentro do pop numa de suas épocas de ouro. O estribilho ecoa Zequinha afora. “Rocket Man”, que batiza a atual turnê, ganha um início quase erudito; os dedos de Elton deslizam calmamente pelas teclas do piano, o que consegue enganar os fãs por alguns segundos, quando de repente, sem avisos, se conecta aos acordes originais e canta: “She packed my bags last night, preflight” . Se você fosse um astronauta e pudesse colocar apenas uma música numa cápsula e lançá-la no espaço, essa poderia ser uma das escolhidas. 

Foto: Fábio Codevilla


“Hey Ahab” advém de uma safra mais recente, está no álbum feito em parceria Leon Russell, um dos ídolos de Reg . Já “I Guess That’s Why They Call It the Blues” trata-se de uma peça indivisível à década de 1980, mas que soa nova em folha nos seus ouvidos. O percussionista John Mahon (Phil Collins, Billy Joel) faz todos aqueles malabarismos característicos de instrumentistas tarimbados e até lembra de relance o estilo de Ray Cooper (George Harrison, Eric Clapton), que acompanhou Elton por décadas. No medley “Funeral For a Friend/Love Lies Bleedin”, a banda faz cruzamentos com o rock progressivo. Nigel Olsson é só sorrisos, e os efeitos no teclado de Kim Bullard (Poco, The Doobie Brothers) grifa esse trânsito improvável. Davey Johnstone entrega ao roadie sua guitarra pintada com motivos do álbum “Captain Fantastic” (1975) e toca banjo em “Honky Cat”, enquanto toda a banda ginga em seu balanço contagiante. “Sad Songs”, outra das canções dos famigerados anos 1980, ganha força numa ambiência mais rock (e menos pop), uma das tônicas da turnê “40th Anniversary of the Rocket Man”. 

Fotos: Fábio Codevilla
“Daniel”, inspirada numa reportagem da revista Time sobre um veterano da Guerra do Vietnã que foi parar numa cadeira de rodas, é um tributo àqueles que preferem a tranquilidade de uma vida rural à badalação dos grandes centros. Pegue a letra de “Sorry Seems to Be The Hardest Word” e a coloque numa carta: “Why can't we talk it over? / Oh, it seems to me / Sorry seems to be the hardest word” , pois essa canção consegue expressar o que você deseja dizer, mas não diz. Elton dispensa os músicos e apresenta uma versão solitária de “The One; apenas ele e o piano, um minimalismo que reflete o brilho intenso dessa música. Que versão!  

Fotos: Fábio Codevilla

Assim como você, preso à lembrança de uma vida no interior, distante da realidade gradeada pela confinação de um apartamento – a viagem chega até “Skyline Pigeon”, o início de tudo para Elton e Bernie. Parte dos músicos está de volta ao palco, quase num modelo de seus anos iniciais, pois o vemos acompanhado apenas pelo baixo, guitarra, bateria e um teclado de apoio aqui e ali. “Don’t Let the Sun Go Down on Me” é pura emoção, além da lembrança de uma parceria com o saudoso George Michael. Apresentada quase como uma vinheta, “I’m Still Standing” apenas nos prepara para o capítulo seguinte — “Crocodile Rock”, puro divertimento e matiné! O Zequinha vira um imenso salão de baile. “Saturday Night’s Alright for Fightin’” nos avisa que o fim está próximo, afinal, já se passaram mais de duas horas, e, neste momento, você se dirige ao portão de saída. O show ainda segue, mas já sabemos qual será a próxima música a ser tocada, e de longe você ouve tudo, apesar do excesso de reverb. Passa pela banca oficial onde vê a camiseta oficial da turnê, reprodução de uma lendária imagem clicada nos anos 1970, com Elton usando o piano como baliza de ginástica olímpica, os pés para o ar, como se tivesse pequenas asas nos sapatos. Você lembra que o dinheiro guardado no bolso dá contado para o táxi.  Antes de entrar no veículo, ouve os acordes iniciais de “Your Song”. Lembra-se da letra que fala de um personagem que não consegue esconder o que sente e sem dinheiro, sonha em comprar uma casa imensa para viver com seu amor. Você pensa: se fosse mágico, pararia o tempo na noite desta terça-feira. 

Fugindo da multidão, já fora do estádio, você encontra um taxi e parte para longe dali. No rádio do veículo, sintonizado na Rádio Gaúcha, o locutor diz que o Grêmio ganhou de 4X1 do Caracas. Você está de volta ao mundo real. 

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