Foto: Ricardo Duarte |
Por Márcio Grings
Olho no relógio. Um brinde a velha pontualidade
britânica! 10h em ponto. Clapton dispara o primeiro acorde de sua Fender
azul (ou verde) piscina e a massa delira. Basta apenas um lick dá pra sacar que a noite já está ganha. No meu caso, um entre os quase 20 mil pessoas, não mais me importo com o desgaste
de uma viagem cansativa, o stress do trânsito caótico da capital gaúcha, nem
o preço do táxi mais caro da minha vida que me levou até lá.
"Goin Down Slow" dá a tônica do espetáculo — noite de blues, principalmente. O estacionamento da FIERGS parece um pequeno (gigante) clube com música ao vivo. Detalhe
negativo: uma das queixas da noite foi o som mais baixo em determinados setores do público, principalmente os mais distantes do
palco. Ao dar uma circulada fica fácil perceber que realmente está ruim. Para apreciar um espetáculo no Estacionamento da FIERGS só há um jeito de encontrar satisfação — ficar em frente ao palco, com o som batendo no peito. "Key To The
Highway", um antigo standard de Big Bill Broozy reafirma o blues como gênero
dominante do set.
Foto: Ricardo Duarte |
"Hoochie Coochie Man", tema de Willie Dixon que
Clapton gravou em "From The Cradle" (1994) leva o público ao delírio, já no primeiro
riff. Impossível não reparar nos cabelos brancos do baterista Steve
Gadd, um gigante das baquetas, e um daqueles músicos que acompanho dos discos e filmes de rock há décadas — ídolo mundial das baquetas. "Old Love", do álbum "Journeyman" (1989), é o primeiro momento extensivo
do Clapton 'slowhand'. Moldura propícia para um longo solo de guitarra, piano (Chris Staiton) e órgão (Tim Carmon). Depois é a vez de "Tearing s Apart", um daqueles números menores que parecem ganhar força quando tocado ao
vivo.
Foto: Mauro Vieira |
Ainda no cercado blueseiro, "Driftin’" abre o set acústico. E na mesma onda, boas-vindas a "Nobody Knows When You’re Down And Out", canção do álbum "Layla And Other Assorted Love Songs" (1970), há tempos desaparecida dos setlist de Clapton, ressurgida aqui num delicioso e despretensioso clima saloon. Destaque para os backings de Michelle John e Sharon White. A esperada homenagem ao bluesman irlandês Gary Moore (falecido poucos meses antes) com a versão desplugada de "Still Got The Blues" é substituída por "Lay Down Sally". A audiência sacoleja e canta o refrão em coro. O baixo de Willie Weeks passa a impressão de dar um novo frescor e embalo ao tema composto por J.J. Cale, um dos grandes eremitas da guitarra.
Foto: Mauro Vieira |
"When Someone Thinks You Are Wonderful", única música do seu novo álbum — lançado em outubro do ano passado — é o abre-alas jazzista da noite. Em inusitada versão acústica, "Layla" leva o público ao previsível delírio, numa releitura que novamente coloca a ambiência jazzy na pauta, performance espelhada na gravação do CD lançado em dupla com Wynton Marsalis. Um fato que merece ser
lembrado, é que no atual tour, Clapton está trabalhando sem um guitarrista de apoio, fato inédito em sua
carreira nos últimos anos 30 anos. No início da década passada, ele chegou a utilizar até mesmo dois guitarristas como colaboradores das texturas e camadas executadas no palco.
Foto: Mauro Vieira |
Uma coisa é fato: com apenas uma guitarra o som fica mais limpo, e
assim EC pode mostrar toda sua versatilidade. Fim do set violeiro, a
eletricidade volta a baila com "Badge", antigo hit do Cream composto em parceria com George Harrison. "Wonderful Tonight" obviamente é o grande
momento romântico da noite, proporcionando encontros acalorados entre dezenas
de casais. Pra fugir do clima de evento social, "Before Accuse Me" de Bo Diddley e "Little Queen of Spades" de Robert
Johnson recolocam o blues na roda.
Foto: Mauro Vieira |
Show de Eric Clapton sem "Cocaine",
não é show de Eric Clapton. A música de J.J. Cale já faz parte do metabolismo musical
do inglês. "Crossroads" de Robert Johnson, em versão mais lenta, encerra a noite ao bater o ponteiro em exatas 1 hora e 45 minutos de espetáculo. Em tom introspectivo,
Clapton raramente se reporta ao público, restringindo sua comunicação com um
agradecimento no final de cada execução. Provavelmente a FIERGS não seria o melhor local para assistir um evento dessa grandeza, e quem sabe, esse foi uma das escolhas que tenha desagradado o protagonista, aparentemente protocolar nas feições artísticas dessa apresentação. Quem conhece Eric Clapton, sabe — o homem
não faz média. E nem precisa. Certamente não foi o grande show de nossas vidas, mas provavelmente tenha sido o único show do guitarrista na vida de muitos que lá estiveram. Inclusive eu...
Setlist Porto Alegre:
O1 Going Down
Slow
02 Key to the
Highway
03 Hoochie
Coochie Man
04 Old Love
05 Tearing Us
Apart
06 Driftin’
07 Noboby Known
When Your Down And Out
08 Lay Down
Sally
09 When Someone
Thinks You Are Wonderful
10 Layla
11 Badge
12 Wonderful
Tonight
13 Before You
Accuse Me
14 Little Queen
of Spades
15 Cocaine
16 Crossroads
"Old Love" no vídeo abaixo.
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