Translate

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Paul McCartney — Belo Horizonte, 3 de dezembro de 2023

| Foto: Marcos Hermes |
| Por Romero Carvalho Fotos: Marcos Hermes |


“It’s long way to the finish when you've never been before” 

Queenie eye, do álbum “New”, de 2013.  

Nesta altura dos acontecimentos, vou presumir que todos que chegaram neste texto saibam o quão imenso é o GÊNIO Paul McCartney. E espero que, com essa abertura, pressuponham a minha relação intensa e amorosa com toda a sua obra. Muito do que sou se deve às suas canções, nestes brilhantes 60 anos de carreira. Num mundo de injustiças, algo se faz justo: o mais bem-sucedido artista pop de todos os tempos merece sê-lo. 

Há incontáveis formas de comentar o show de Paul — e ninguém ousa chamá-lo formal e friamente de McCartney —, na estonteante Arena MRV neste domingo, dia 3 de dezembro. Poderia, com conforto, falar da emoção de ver novamente, talvez pela última vez, o artista que canta a trilha sonora da minha vida desde sempre, aos 81 anos, esbanjando vitalidade e carisma, com um repertório impecável, banda perfeita — a que mais tempo toca com ele, inclusive — e um estádio lotado. A propósito, que bom ver um naipe de metais no palco com o Paul! Também é sempre possível ressaltar a dificuldade que envolve shows imensos: chegar cedo demais, esperar demais — com um raríssimo atraso mccartneiano pra começar o show — trânsito terrível ou, bem pior, a cada vez mais constante falta de educação e noção de parte do público, que parece não ter grande interesse em música, mas apenas em estar num macro evento, independente de quem seja. O espetáculo musical pouco importa, pois mais vale instagramar o momento e conversar alto o tempo todo. Dá vontade de perguntar se o show está incomodando. Isso, infelizmente, é cada vez mais comum. Muito diferente dos públicos dos shows que fui do Paul em 2010, em São Paulo, e 2013, em Belo Horizonte. 

| Foto: Marcos Hermes |

Mas preciso muito tentar relatar esta, que, repito, pode ser a nossa despedida do Macca no Brasil, pelos olhos de uma criança de oito anos e outra de seis. Como Paul é o artista da família, fomos à Arena com a escalação completa: esposa, que anualmente escuta toda a discografia do Paul em sequência, eu e os três filhos, sendo que Nandi e Lalita, oito e seis anos, iriam pela primeira vez. Todos “uniformizados”. Inicialmente, não tinha conseguido comprar os ingressos deles, mas a frustração era tanta que os avós cederam suas entradas. “Já vimos o Paul na última vez. Eles precisam dessa experiência”. E isso diz muito: ver o Paul não é ir a um show apenas. É uma catarse, um ritual de agradecimento coletivo, celebração da música pop de excelência, do legado do maior fenômeno popular do século XX, que atravessa e une gerações, do compositor que não descansa e não desiste de nos dar a sua presença ao vivo. Por três horas. Com 81 anos. Sem muito mudar o tom ou andamento das músicas. 

Nandi e Lalita estavam realmente muito empolgados e são filhos de pais realmente dedicados à obra do inglês. Lalita queria “Jet” e “Nineteen hundred eighty five”, clássicos do “Band on The Run” (1973), o álbum hit da casa. Wings é sua banda favorita. Nandi queria todas, especialmente “Hey Jude”, sua canção de estimação. Levá-los implica, logicamente, um esforço muito maior, com uma logística bem feita e muita paciência. Lalita sucumbiu ao atraso e acabou chegando ao show já muito cansada. Dormiu uma grande parte do espetáculo, mas acordou a tempo de ver o ‘medley dos medleys’, “Golden Slumbers/Carry that weight/The End” e pedir depois pra colocar em sua lista no Spotify. Ao final, comentou que queria que o Paul morasse em Belo Horizonte e fizesse show toda hora. Ela iria a todos. “Eu vi o Paul e ele me viu”. 

Nandi, por sua vez, explodiu de alegria, dançando alucinadamente o tempo todo. Em suas favoritas, sobretudo dos Wings, fazia questão de exaltar a sua felicidade de vê-las ao vivo. Quando veio “Hey Jude”, ele tratou o “na na na” com solenidade e reverência. Em seu olhar para o palco, vi o fascínio que a música desse senhor ainda desperta. A magia de suas melodias, de seu magnetismo, de sua simpatia ao, mesmo sem precisar, se esforçar para se comunicar com a plateia em português. É a lenda das lendas, o mestre dos mestres ali, a metros de distância, cantando, tocando com absurda competência baixo, guitarra, violão, mandolim e pianos. Nandi entendeu tudo isso e se expressou à sua maneira. “Hoje foi o melhor dia de todos”, disse ao final. E isso vale qualquer esforço de um show grande. Isso retribui todo o investimento em tratar a música como a divindade que ela é, capaz de conectar as pessoas, celebrar a vida, auxiliar na contemplação e meditação, ressignificar, sublimar sentimentos... Algo para se levar a sério. Música forja amizades (e as melhores) e abre um universo para cada ouvinte atento. “Take a sad song and make it better”.  

Mais uma vez: é possível que esta seja a primeira e última vez deles com o Paul. E eu não conseguiria falar do legado deste homem de uma maneira mais didática. Não há nada como isso. Foi lindo e lúdico ver o show pelo olhar deles. E se esta foi a última vez, “in the end the love you take is equal to the love you make”, Paul. 

Afinal, o tempo vale pro Macca? Porque nunca vai haver um mundo sem Paul McCartney. Ao menos um que valha a pena. 

"At the end of the end/ It's the start of a journey/ To a much better place/ And this wasn't bad/ So a much better place/ Would have to be special/ No need to be sad.

On the day that I die/ I'd like jokes to be told/ And stories of old/ To be rolled out like carpets/ That children have played on/ And laid on while listening/ To stories of old.

At the end of the end/ It's the start of a journey/ To a much better place/ And a much better place/ Would have to be special/ No reason to cry/ On the day that I die/ I'd like bells to be rung/ And songs that were sung/ To be hung out like blankets/ That lovers have played on/ And laid on while listening/ To songs that were sung.

At the end of the end/ It's the start of a journey/ To a much better place/ And a much better place/ Would have to be special/ No reason to cry/  No need to be sad/ At the end of the end"

— Letra epitáfio de “The end of the end”, do álbum “Memory Almost Full”, de 2007. Paul parecia não saber, mas havia ainda muita gasolina no tanque!    

Setlist Paul McCartney | Arena RMV, Belo Horizonte — 3/12/23

Can't Buy Me Love

Junior's Farm

Letting Go

She's a Woman

Got to Get You Into My Life

Come On to Me

Let Me Roll It / Foxy Lady

Getting Better

Let 'Em In

My Valentine

Nineteen Hundred and Eighty-Five

Maybe I'm Amazed

I've Just Seen a Face

In Spite of All the Danger

Love Me Do

Dance Tonight

Blackbird

Here Today

New

Lady Madonna

Fuh You

You Never Give Me Your Money

She Came in Through the Bathroom Window

Jet

Being for the Benefit of Mr. Kite!

Something

Ob-La-Di, Ob-La-Da

Band on the Run

Get Back

Let It Be

Live and Let Die

Hey Jude


Bis

I've Got a Feeling

Birthday

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)

Helter Skelter

Golden Slumbers

Carry That Weight

The End

| Foto: Marcos Hermes |


3 comentários:

  1. Catarse e sublime. Eis O show, sou um grande privilegiado, obrigado pelo texto magnífico.

    ResponderExcluir
  2. Com certeza foi magico pra todos, imagino a felicidade das crianças, um show pra guardarem na memoria.

    ResponderExcluir
  3. Cedi nossos ingresso na certeza de que eles iriam amar vê-lo no palco porque adoram ouvir suas músicas e não se cansam de ouvi-las repetidas vezes! Momento mágico pra eles!

    ResponderExcluir

ÚLTIMA COBERTURA:

OMAR COLEMAN — PORTO ALEGRE, 22 DE FEVEREIRO DE 2024

Foto: Zé Carlos de Andrade | Por Márcio Grings   Fotos: Zé Carlos de Andrade | Cidade mais populosa do estado de Illinois, nos Estados Unid...